Samir Oliveira no Sul21
Muitas (des)informações têm sido publicadas a respeito da nota dos três clubes das Forças Armadas que afronta diretamente a presidente Dilma Rousseff (PT) e duas de suas ministras. Ninguém sabe precisar ao certo quando o manifesto foi divulgado, nem mesmo os oficiais ligados aos clubes Militar, Naval e de Aeronáutica.
O discurso dos clubes é o de que o texto veio a publico por engano, por erro de algum assessor. Embora o manifesto seja datado do dia 16 de fevereiro, a primeira notícia sobre ele surgiu somente no dia 21, em matéria do jornal O Estado de São Paulo. E, já no dia 23, o texto teria sido retirado do site do Clube Militar, ainda que, neste link fosse possível acessá-lo em formato PDF, ao menos até o fechamento da matéria. O arquivo contém, inclusive, os brasões dos três clubes e o espaço para que seus respectivos presidentes assinem a nota.
Também no dia 23 os clubes divulgaram outra nota invalidando a anterior, com apenas uma frase: “Com relação à nota Manifesto Interclubes Militares de 16/02/2012 os presidentes dos clubes militares desautorizam o referido documento”. O desagravo ficou poucos instantes no ar e já foi retirado do site do Clube Militar.
Independentemente de a divulgação do manifesto ter sido acidental ou intencional, e de ainda não estar explicado como ele foi repercutir num único jornal apenas cinco dias depois de ter sido redigido, paira uma grande certeza que diminui a obscuridade do fato: o documento existe, foi pensado, articulado e discutido durante as reuniões dos clubes das Forças Armadas e reflete o pensamento de um conjunto de agentes do Estado que não admite qualquer olhar esclarecedor sobre o período da ditadura militar brasileira (1964-1985).
O texto leva os nomes – mas não as assinaturas de próprio punho – dos presidentes dos clubes Militar (general Renato Cesar Tibau da Costa), Naval (vice-almirante Ricardo Antonio da Veiga Cabral) e de Aeronáutica (tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista), todos já aposentados, e demonstra insatisfação desses representantes da caserna com três fatos.
A nota critica a declaração da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário (PT), que disse, em entrevista ao jornal Correio Braziliense publicada no dia 8 de fevereiro, que a Comissão da Verdade reunirá informações que poderão fornecer subsídios a processos judiciais contra os agentes do Estado que praticaram crimes de lesa-humanidade durante a ditadura, assim como já acontece na Argentina, no Uruguai e no Chile.
Em resposta à declaração da ministra, os clubes das Forças Armadas se escudaram na Lei da Anistia. “Mais uma vez esta autoridade da República sobrepunha sua opinião à recente decisão do STF, instado a opinar sobre a validade da Lei da Anistia. E, a Presidente não veio a público para contradizer a subordinada”, critica o manifesto.
A nota ainda recrimina a presidente por ter aplaudido o discurso de posse da nova ministra das Mulheres, Eleonora Menicucci (PT), que, na solenidade, lembrou de seu passado de luta contra a ditadura militar e do período em que dividiu uma cela com Dilma no presídio Tiradentes, no início dos anos 1970. Ambas pegaram em armas contra o regime – Eleonoroa, pelo Partido Operário Comunista e Dilma, pela Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares.
O manifesto diz que a ministra “teceu críticas exacerbadas aos governos militares” e não disfarça os peso do ataque à presidente Dilma. “A plateia aplaudiu a fala, incluindo a Sra Presidente. Ora, todos sabemos que o grupo ao qual pertenceu a Sra Eleonora conduziu suas ações no sentido de implantar, pela força, uma ditadura, nunca tendo pretendido a democracia”, acusa o texto.
O manifesto também demonstra contrariedade com uma resolução divulgada durante as comemorações de 32 anos do PT, que observava o empenho do partido em resgatar a memória da lua pela democracia durante a ditadura. Por fim, a nota termina com nova recriminação à presidente Dilma, comandante-em-chefe das Forças Armadas, inclusive dos oficiais que tramaram o texto.
“Os Clubes Militares expressam a preocupação com as manifestações de auxiliares da Presidente sem que ela, como a mandatária maior da nação, venha a público expressar desacordo com a posição assumida por eles e pelo partido ao qual é filiada e aguardam com expectativa positiva a postura de Presidente de todos os brasileiros e não de minorias sectárias ou de partidos políticos”, conclui o manifesto.
Clubes asseguram que divulgação do manifesto foi “precipitada”
Depois de toda a repercussão gerada com a nota dos três clubes das Forças Armadas com críticas frontais à presidente Dilma Rousseff, os representantes das entidades garantem que não era para o texto ter sido divulgado. “Essa nota foi publicada intempestivamente e sem autorização. Houve precipitação”, assegura o presidente do Clube Naval, vice-almirante Ricardo Antonio da Veiga Cabral.
Ele acredita que o texto tenha sido veiculado por engano. “Tenho a impressão de que alguém recebeu a minuta e a publicou inadvertidamente”, aponta.
O vice-almirante não quis se manifestar sobre as declarações das duas ministras citadas nos manifestos, mas avaliou que a Comissão da Verdade precisa investigar também os crimes cometidos por militantes de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura militar. “A verdade é inteira, não é apenas pela metade. É preciso que todos sejam ouvidos igualmente, o que é difícil, porque é um lado que está comandando”, critica.
Apesar de o Palácio do Planalto não ter se manifestado sobre o manifesto, o presidente do Clube Naval, assim como outros oficiais da reserva, diz que “ouviu dizer” que a presidente Dilma teria determinado que o ministro da Defesa, Celso Amorim, conversasse com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sobre o tema. “Ouvi dizer que essa reunião ocorreu”, sugere.
Um oficial do Clube de Aeronáutica que não quis se identificar também garante que houve conversas sobre o tema na cúpula das Forças Armadas. “O manifesto gerou insatisfações em Brasília, a ponto de a presidente pedir providências ao ministro da Defesa”, informa.
Esse mesmo oficial diz que foi o presidente do Clube Militar, general Renato Cesar Tibau da Costa, quem teria decido repassar o manifesto à imprensa. “Os clubes haviam tratado do assunto numa reunião, mas não se chegou nem a formular um rascunho. O Tibau teve a iniciativa de se antecipar”, acusa o militar.
A reportagem do Sul21 entrou em contato com o Clube Militar, mas a assessoria informou que o presidente não se manifestaria sobre o tema.
Medo da Comissão da Verdade pode ter sido causa do manifesto
Acadêmicos, jornalistas que investigaram crimes da ditadura e militantes dos direitos humanos avaliam que o medo provocado com a iminência da nomeação dos integrantes da Comissão da Verdade pode ter provocado a reação que gerou o manifesto dos três clubes das Forças Armadas. Informações que circulam nos corredores do Palácio do Planalto também dão conta de que a nota teria sido uma tentativa de atemorizar o governo federal, evitando que a presidente Dilma Rousseff escolhesse pessoas “mais à esquerda” para compor a comissão.
Para o professor de História da Ufrgs, Enrique Padrós, que estuda as ditaduras do Cone Sul há mais de 15 anos, os militares tentam se antecipar aos efeitos que a Comissão da Verdade podem gerar – como pressões sociais para que a Lei da Anistia seja revista.
“Estão agindo preventivamente para tentar evitar que a médio prazo possa haver uma mudança na postura da Justiça”, avalia. O pesquisador se surpreendeu com a reação, já que, na sua avaliação, o governo federal, ainda que esteja promovendo ações no sentido de resgatar a memória do que aconteceu durante o regime militar, não demonstra disposição para demandar responsabilização judicial de torturadores. “É surpreendente essa reação, porque o governo nesse sentido tem sido muito limitado”, observa.
Padrós aponta que os clubes militares são “o último reduto das viúvas da ditadura” e diz que os signatários do manifesto ainda não assimilaram a redemocratização do país.
“Continuam sendo senhores paranoicos que vivem na Guerra Fria. A cabeça deles parou numa lógica de segurança nacional da década de 1970, ainda não passaram por um processo de democratização”, critica o professor, que aponta que a impunidade aos crimes de lesa-humanidade dá combustível a esse tipo de postura. “A impunidade faz com que eles pensem que toda alusão ao passado é uma ameaça a uma democracia que só existe na cabeça deles, sem movimentos sociais, sem reformas e sem contraditório”, considera Padrós.
O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Krischke, considera a reação dos militares “absolutamente desproporcional” e cobra uma atitude enérgica da presidente Dilma. “Esses senhores se esquecem que a presidente é a comandante-em-chefe das Forças Armadas. Dilma deve exercitar seu comando e enquadrá-los nos regulamentos disciplinares”, opina.
Jair avalia que há setores “apavorados” nas Forças Armadas com o surgimento da Comissão da Verdade. “São valentes contra senhoras indefesas e pessoas submetidas, mas não querem enfrentar a responsabilidade que lhes toca. São grandes covardes”, dispara.
Para o jornalista Luiz Claudio Cunha, que já investigou crimes cometidos pelo regime militar, a insatisfação dos clubes militares pode ser um eco dos humores nos quartéis e nos servidores da ativa. “Vocalizam o que os militares da ativa não podem expressar. Podem estar ecoando um desconforto abafado”, observa.
Entretanto, ele acredita que “a democracia não tremerá” diante das ameaças desses setores. “Estão achando que Dilma será solidária a eles? A presidente tem que ser solidária com as suas ministras. São nostálgicos da ditadura e estão assustados”, avalia o jornalista.
1 comentário
Paz e bem!
Parece que finalmente
os Presidentes dos Clubes Militares
estão sendo informados
que agora eles usam pijamas.
Precisou passarem 22 anos
das primeiras eleições diretas
para Presidente da República.
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