Do Valor
Cristiane Agostine e Luciano Máximo | De Brasília via Luis Nassif On Line
04/08/2011
Ao se reeleger, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a nomeação de sua equipe para o segundo mandato pela manutenção de Fernando Haddad no Ministério da Educação. Haddad já era visto por Lula como uma aposta no PT. Nos últimos quatro anos, o ministro caiu nas graças do ex-presidente e tornou-se seu candidato para disputar a Prefeitura de São Paulo, em 2012.
Em entrevista exclusiva concedida na tarde de ontem ao Valor, Haddad assume sua pré-candidatura e questiona a realização de prévias para a definição do candidato do partido. Na terça-feira, conversou com a presidente Dilma Rousseff sobre sua eventual saída do cargo. O foco é a 'humanização' da cidade.
O engajamento partidário não é o forte de Haddad. O petista diz não participar das eleições internas do PT, nem dos congressos, mas afirma que pertence a um grupo de intelectuais com militância reduzida, mas que estão à disposição dos projetos do partido.
O petista evita o embate com o prefeito da cidade, Gilberto Kassab. O governo federal quer ampliar a parceria com o prefeito e construir mais creches na cidade. A falta de vagas para crianças é um dos principais problemas da gestão Kassab e a construção, prevista no programa federal Pró-Infância, pode ser uma das bandeiras do ministro na cidade. Haddad desconversa também quando o assunto é o pré-candidato do PMDB, deputado Gabriel Chalita, ex-secretário estadual de Educação.
À frente do ministério há seis anos, Haddad faz um balanço de sua gestão e diz que os avanços na qualidade da educação podem ser percebidos como tímidos no país, mas são reconhecidos por organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Unesco. O ministro diz que tentará uma saída negociada com o Congresso na aprovação de dois projetos: o Plano Nacional de Educação e o Pronatec. O petista afirma que buscará o dialogo para evitar um aumento dos gastos da União com Educação para além dos 7% do PIB propostos. A seguir, a entrevista.
p>ValoValor: O sr. pretende se candidatar à Prefeitura de São Paulo?
Fernando Haddad: Estou há sete anos e meio no Ministério da Educação. Seis anos como ministro. Estou muito confortável no ministério, gosto do que faço. Agora está havendo um debate, que está sendo patrocinado por lideranças importantes, a começar do [ex] presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva], da própria presidente Dilma [Rousseff]. Ela tem muito interesse no tema. São Paulo é uma cidade importante e o Estado nunca foi governado pelo PT o que leva o partido a redobrar o interesse na disputa. A cidade já foi governada duas vezes pelo PT e tanto a gestão da prefeita [Luiza] Erundina quanto da prefeita Marta [Suplicy] foram administrações comprometidas com determinados princípios de equidade, de melhoria das condições de vida dos mais necessitadas. Há uma experiência que se busca recuperar e aprimorar. Nesse contexto, é natural que alguém que tenha ficado tanto tempo à frente do ministério discuta isso. E há efetivamente, por parte de algumas pessoas, entusiasmo para que o PT lance um nome novo.
Valor: O sr. falou com a presidente Dilma sobre a candidatura?
Haddad: Conversei com ela ontem [terça-feira] e ela falou com entusiasmo da ideia. Mas a conversa não é no tom do "vai ser assim". Não funciona assim. Estamos considerando a possibilidade.
Valor: Ao falar com Dilma, o sr. já começou a traçar seu sucessor no ministério?
Haddad: Não, foi uma conversa rápida, no sentido de [a candidatura] ser uma possibilidade que o PT deveria explorar.
Valor: E como foram as conversas com Lula?
Haddad: Falei duas vezes com o presidente Lula, em fevereiro e em evento em Goiânia [Congresso da UNE, em 14 de julho]. O presidente me chamou e falou: 'Fernando, você tem um legado no Ministério da Educação, tem o respeito dos companheiros pelo trabalho que realizou, tem uma agenda muito afinada com o ideário que o PT sempre defendeu e eu vou defender seu nome para disputar um cargo eletivo. Como é que você vê isso?' Eu respondi: 'Vejo com naturalidade, presidente'. Só que tenho minhas tarefas no ministério, tenho pouco tempo na agenda para me envolver na disputa. A minha militância se dá em outra arena, na produção intelectual, na reflexão. Eu sempre pertenci a um grupo de militantes que não se engajou na máquina, mas sempre se colocou à disposição do partido para fazer discussões. Era um grupo coordenado pelo Paulo Vanucchi, com Marilena Chauí, Paul Singer, do Antonio Candido e os mais jovens, entre os quais eu figurava. Era um grupo de professores da USP, alguns da Unicamp, de São Carlos...
Valor: O sr. sempre coloca sua candidatura como um pedido de Lula. O sr. não tinha interesse?
Haddad: Minha posição é de interesse no assunto, senão teria dito não. Estimulado pelo presidente Lula, o assunto me interessou. Não sei se partiria de mim a iniciativa de me apresentar ao partido e dizer: 'Sou pré-candidato à prefeitura', se não houvesse uma manifestação. Isso faz diferença: você se apresentar, colocar seu nome à disposição, e ter sido sondado por pessoas dessa envergadura.
Valor: O sr. não teme a resistência do PT por ter sido indicado pelo presidente Lula?
Haddad: Isso não existe, ainda mais no PT de São Paulo. Ali tem uma cultura política muito forte. A opinião dele [Lula] pesa. Pesou para mim.
Valor: O sr. não teme a prévia, já que tem uma militância menor, ligada a um grupo de intelectuais?
Haddad: Não tenho projeto pessoal. Não vim para o MEC por um projeto pessoal, de ser ministro da Educação. Avalio o que é melhor para o coletivo. Então se o partido entender que a estratégia interessante para ganhar as eleições é lançar um nome novo, com experiência administrativa, lançará um. Se entender que quer um candidato que tenha recall, que já tenha participado de outras eleições majoritárias, há outros [nomes]. Ou seja, vai depender muito da estratégia do PT, do perfil adequado [do candidato]. Se todos os interessados tiverem essa mesma predisposição para o debate, pode ser que as prévias sejam desnecessárias. Com que time entraremos em campo? Se você faz um debate amadurecido, em que as ambições pessoais sejam pouco importantes diante da ambição maior de levar um projeto à frente, a prévia pode ser completamente desnecessária.
Valor: O sr. participa da vida partidária, das eleições internas, congressos?
Haddad: Não. Tem um grupo de pessoas -- e é muito comum no PT -- que têm um perfil muito parecido com o meu: sempre estiveram disponíveis, quando chamados atenderam ao pedido, sempre se prestaram a discutir, estudaram temáticas relativas ao Estado, à participação política. Tem um perfil de petistas no qual eu me enquadro. O novo dessa história é uma pessoa desse núcleo ser considerada. Mas é um grupo muito mais comum do que se imagina de professores universitários que militaram pelo PT exatamente na medida em que eu militei. Em muitos partidos ocorre o mesmo. Pessoas que estudam, trabalham, têm seus afazeres, mas estão disponíveis, dedicados a um projeto, a uma causa.
Valor: Há petistas que comparam sua pré-candidatura com a de Dilma...
Haddad: Vejo um processo no qual os interessados vão auxiliar o PT na escolha de um nome, fruto de uma estratégia. No caso da presidente Dilma nós todos, que fizemos parte do governo, chegamos à mesma conclusão. Não era nem caso de pré-candidatura, dado o cenário, a contribuição que ela tinha dado ao governo Lula, a posição que ocupava naquele momento. Chegou-se a conclusão de que ela era o melhor nome para representar o projeto. Mesmo que mais de uma pessoa ofereça seu nome como alternativa, não significa que as prévias precisam se realizar.
Valor: Como o sr. pretende conquistar o PT?
Haddad: O partido é bom de conversas e a melhor tradição que tem é gostar de conversar. Você chama um petista para conversar e ele topa. Essa é a diferença inclusive para os demais partidos. A cultura interna do PT valoriza demais o debate.
Valor: Não é por isso que a possibilidade de não haver prévias gerou polêmica?
Haddad: Pode ser que o partido conclua que não seja o caso de prévia, mesmo havendo dois, três, quatro, cinco pessoas disponíveis, interessadas, engajadas. Essas pessoas podem chegar à conclusão de que vamos defender o nome do fulano. Acredito muito na capacidade de chegar a uma conclusão e acho que nenhum dos interessados se sentirá derrotado, sobretudo se formos vitoriosos na eleição.
Valor: Além de Dilma e Lula, com quem o senhor conversou no PT? O presidente do PT municipal, por exemplo, reclama que o senhor nunca o procurou para conversar.
Haddad: Tenho conversado. Vou falar com ele no sábado.
Valor: Qual sua visão sobre a cidade?
Haddad: Participei da administração da Marta e pudemos fazer coisas interessantes na cidade. Acredito que é possível fazer uma agenda de humanização de São Paulo. O conceito de urbanidade está fora de moda em São Paulo, é preciso resgatá-lo. Você vê que o centro da cidade se degradou, a cracolândia não é mais a mesma de dez anos atrás, está muito pior. O trânsito, a relação das pessoas... É tudo muito conturbado. Na gestão da Marta, se viu uma tentativa de garantir condições de vivência mais arejada, aberta, participativa, inclusiva. Isso na área da moradia, de educação - com os CEUs, uniformes, valorização do professor -, de transporte - com o Bilhete Único. Passei mais de dois anos na prefeitura, é uma cidade difícil, mas tem um enorme potencial para melhorar sua condição de vida.
Valor: Quais são as falhas da gestão do prefeito Gilberto Kassab?
Haddad: Não vou [enumerá-las]...Não é o momento, até porque temos parcerias e queremos estreitar laços. Estamos tentando, depois de muito tempo, levar o Pro-infância para a cidade, onde é dramática a falta de vagas em creches. Tem sido feito um esforço de aproximação mais recente. Da nossa parte sempre estivemos disponíveis para ajudar.
Valor: Qual o balanço que o senhor faz de sua gestão no ministério?
Haddad: Sob o comando do presidente Lula, nós inauguramos uma prática que pode servir de modelo para a educação brasileira. Após sua reeleição em 2006, ele exigiu que formulássemos um plano para a gestão, o Plano de Desenvolvimento da Educação [PDE]. A lista de exigências era grande, envolvia a expansão e interiorização das universidades federais; a reorganização e a expansão da educação profissional federal, com a criação dos institutos técnicos; a criação do Ideb; a regulamentação do Fundeb [Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]; a regulamentação do piso nacional do magistério; a reformulação do financiamento estudantil; a consolidação da Universidade Aberta do Brasil [ensino superior à distância]; o incremento dos programas federais de apoio ao estudante, com mais investimentos em merenda escolar, livro didático e transporte escolar; e o próprio Bolsa Família, cuja condicionalidade [de frequência à escola dos filhos dos beneficiados] é atribuição do MEC. Tudo isso com uma inovação que merece registro: 100% dos reitores, governadores e prefeitos assinaram termo formal de compromisso com o MEC pactuando a perseguição das metas quantitativas e qualitativas traçadas pelo PDE.
Valor: Ainda assim a percepção de avanço na qualidade da educação é muito lenta. Por quê?
Haddad: Recebo essa crítica com muita humildade. É natural. Quando as metas do PDE foram anunciadas eram consideradas ousadas. Depois de cumpridas, alguns passaram a considerá-las tímidas. Agora, o avanço da educação brasileira está muito claro para os organismos internacionais que fazem estudos comparativos, como o Banco Mundial, a Unesco, a OCDE, a Unicef. Para eles o ritmo é notável, a ponto de servir de referência. No último Pisa [avaliação internacional da educação], por exemplo, o Brasil foi o terceiro país que mais avançou. Superamos a Argentina e reduzimos à metade a distância que nos separava do México, países com os quais podemos fazer comparações justas. Em termos de aumento de escolaridade superamos a China.
Valor: O sr. concorda com a vinculação de metas na educação a pagamento de bônus a professores?
Haddad: No PDE, o MEC fixou diretrizes com os quais todos prefeitos e governadores concordaram e se comprometeram. As metas de melhoria do aprendizado tiveram como ponto de partida a situação de cada município e Estado. Deixamos a critério dos parceiros a escolha da melhor estratégia para atingir essas metas, dentro das diretrizes. No caso da meritocracia, muitas vezes o que serve para uma rede não funciona em outra. É imprescindível ter pactuação com os trabalhadores. Não consigo vislumbrar a hipótese de, goela abaixo, determinar como vai ser [a meritocracia]. A educação tem uma dimensão ligada à motivação, valorização, respeito, aspectos intrínsecos à atividade. Se o poder público pactua com o professor a melhor maneira de aferir o mérito, pode funcionar muito bem. E, mesmo com uma concordância, pode também não funcionar. Nova York agora está revendo essas políticas porque não identificou se elas tiveram impacto no aprendizado. Lá eles fizeram de maneira muito criteriosa, com apoio dos sindicatos.
Valor: O governo paulista também está revendo seu modelo de meritocracia na educação. Já na capital, o prefeito Gilberto Kassab está implementando. Pode funcionar?
Haddad: Tem que ser visto caso a caso. Foz do Iguaçu teve um salto considerável no Ideb. A prefeitura prometeu o pagamento de até dois salários a mais por ano para os profissionais das escolas que cumprissem as metas, houve combinação com os professores, e o resultado foi que a cidade teve um salto notável ali. Não vejo ninguém discordar da política de valorização do mérito, nenhum sindicato. O debate se dá em torno de como aferir a valorização, o que depende da pactuação local. O que funcionou bem em Foz do Iguaçu pode não funcionar em São Paulo.
Valor: A definição de metas na educação está associada ao modelo de avaliação. O MEC estuda ampliar o Ideb?
Haddad: No Plano Nacional de Educação há duas propostas: a primeira é ter uma prova de ciências para o nono ano do ensino fundamental para a composição do Ideb, o que passaria a guardar uma correspondência muito grande com o Pisa. A outra sugestão é incorporar o Enem ao Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica]. Dessa forma, a participação do aluno no Enem passaria a ser parte do currículo do ensino médio.
Valor: O ministério melhorou a logística para evitar que problemas com o Enem se repitam?
Haddad: A escala do Enem é monumental, só perde para o chinês. Em 2009, tivemos problema de segurança da gráfica e a prova foi cancelada. No segundo episódio, em 2010, o problema foi muito menos relevante: 0,1% dos estudantes foram prejudicados por uma falha de impressão. Eles foram reconvocados para nova prova. Não dá para comprar 2009 com 2010. Problemas ocorrem em qualquer concurso. A Polícia Federal detectou fraudes nas cinco últimas edições do exame da OAB, com o detalhe de que as fraudes foram apuradas depois das provas, quando os advogados já estavam inscritos na Ordem e advogando. Só este ano, as avaliações educacionais de Inglaterra, França, Coreia do Sul e Estados Unidos tiveram problemas. É preciso considerar a complexidade desses processos.
Valor: O sr. está dizendo que o Enem não é à prova de falhas?
Haddad: Estamos contratando o que há de melhor no país para fazer o Enem. Selecionamos a melhor gráfica com critério, os aplicadores com critério, o serviço dos Correios foi determinado com muito critério. Mobilizamos Forças Armadas, e polícias militares com critério. Até contratamos empresa de gerenciamento de risco.
Valor: A União está disposta a bancar o aumento do financiamento público ao ensino previsto no Plano Nacional de Educação?
Haddad: Uma parte do esforço cabe ao governo federal e a área econômica está ciente disso.
Valor: No projeto de lei do PNE, o governo propõe aumentar o gasto com educação de 5% do PIB para 7%. Se o Congresso fechar algo além qual será a posição do governo?
Haddad: A orientação do governo é não vetar, mas sim negociar, chegar a uma decisão unânime. Mas acredito que todo mundo vai ter bom senso no fechamento desse item no PNE.
Valor: O Pronatec é um dos principais programas do governo federal, mas ainda está parado no Congresso e está atrasado...
Haddad: Tive reunião hoje [ontem] com os relatores do projeto de lei do Pronatec para acertar o texto final que vai à votação. A intenção é votar em agosto, não queremos impor uma MP. Estamos trabalhando como se o projeto tivesse sido aprovado. Os testes dos sistemas estão sendo feitos, a integração com Estados e municípios está sendo programada, estamos vendo a questão orçamentária da União. Só não dá para liberar as bolsas, isso depende da aprovação do Congresso e da sanção presidencial.
Valor: Há um debate sobre a gestão dos hospitais universitários...
Haddad: Há dois modelos concorrendo: um baseado em organização social (OS) com leitos reservados para plano de saúde e o outro que é de empresa pública, que nós propusemos, que é 100% público com 100% de seus leitos vinculados ao SUS. Estamos oferecendo um modelo de modernização da gestão preservando os princípios SUS... O que vejo acontecer em muitos lugares é a perversão do SUS. Não vejo esse debate aflorar: o futuro do SUS está sendo discutido e esse debate não é explicitado.
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