A colunista Miriam Leitão, de O Globo, ataca violentamente o plano de apoio à indústria lançado ontem pelo Governo brasileiro. Sendo quem é, não se podia esperar diferente.
Mas é interessante que alguns pontos que ela levanta sejam explicados, para que se entenda as razões das medidas governamentais.
“O ar do protecionismo e da velha política de benefícios setoriais estava tão evidente que arrancou aplausos para o ministro Guido Mantega quando ele falou que “o mercado brasileiro deve ser usufruído pela indústria brasileira e não por aventureiros que vêm de fora.”
Dona Miriam esqueceu que quem pratica protecionismo, hoje, são os países desenvolvidos? Que o etanol importado é taxado para defender o etanol do milho americano? Que Europa, Japão e EUA dão, todo ano, mais de US$ 200 bilhões para o seu setor agrícola em subsídios, basicamente para fazerem frente às importações dos países em desenvolvimento? E será que ela não leu que o Congresso americano está para aprovar uma lei taxando produtos importados de países com moedas subvalorizadas (leia-se, China) que competem com a indústria deles?
O posicionamento ideológico é legítimo, mas não pode brigar com os fatos. Até porque não se impôs nenhuma taxação sobre produto vindo de lugar algum no pacote de medidas anunciado ontem. Senão, coisas do tipo “sinto o cheiro de” viram argumentos e aí não há possibilidade de uma discussão racional.
“a indústria automobilística, que terá benefícios, é toda controlada por capitais estrangeiros e terá inexplicáveis incentivos. O setor está com crescimento de vendas e produção. Deu uma arrancada de 9,8% no ano passado e nos últimos doze meses está com um crescimento de 4,7%. Reclama do câmbio, mas tem se beneficiado dele na importação de autopeças e matérias-primas.”
De novo, há uma informação essencial omitida. Nos sete primeiros meses do ano, as importações de veículos de passageiros cresceram 59,8%, principalmente as originárias de países asiáticos, como Coreia e China. As importações de automóveis já atingem a casa de US$ 1 bilhão por mês, o que é um rombo para ninguém botar defeito, em se tratando de um bem no qual não temos nenhuma necessidade tecnológica de importação. E nós, que importávamos 5% dos veículos novos vendidos no país, estamos perto de 30% de carros estrangeiros no nosso mercado.
Ainda assim, estaria correto achar que seria absurdo, se fosse um apoio indiscriminado. E não é.
Por partes: a prorrogação de benefícios de IPI para caminhões, ônibus, veículos comerciais leves e máquinas agrícolas se destina mais ao consumidor destes veículos (autônomos, frotistas, concessionárias de transporte, comércio e serviços e agricultura) que às indústrias, porque só incide sobre o preço final.
O ressarcimento de créditos tributários, previsto em Medida Provisória não é de 3%, mas de até 3%, de acordo com a atividade econômica e o efeito reflexo de tributos, que ficam como resíduo no caso de exportação. E a exportação de veículos vai de mal a pior. Como diz o Estadão – insuspeito – desabou.
É curioso que se o agronegócio, que agrega menos valor, gera menos emprego e renda e embute menos tecnologia que a fabricação de automóveis estivesse uma queda de 65% nas suas exportações, como é o caso da indústria automobilística, a grita seria geral entre os comentaristas de economia.
E, de novo, ainda seria absurdo se isso estivesse sendo feito sem contrapartidas que alimentassem a produção industrial. O ressarcimento vai depender de regulamentação – está lá, na medida provisória, para quem se der ao trabalho de ler – e a regulamentação vai depender de negociação com o setor sobre compra de componentes e autopeças no mercado nacional,investimentos, aumento de valor agregado dos produtos, geração de empregos, inovação e elevação da eficiência em processos e produtos.
“O governo decidiu que nas compras governamentais vai preferir a indústria local. Muitos governos fazem isso. Mas ele estabeleceu que se a indústria local produzir com uma diferença de preço de até 25% a mais ela será escolhida. É um incentivo a ineficiência e ao sobrepreço. A indústria nacional precisará competir pelo aumento da eficiência.”
Como seria, então, esse incentivo? O governo reuniria as indústrias locais e diria: “vamos lá, pessoal, nós gostamos de vocês, é só venderem mais barato que os chineses que nós compramos”. Bem, vendendo mais barato, nem precisava, não é? Ou quem sabe mandaríamos uns funcionários públicos sacudir bandeirinhas e fazer “holas” para incentivar o pessoal? Porque os incentivos para modernização, com créditos do BNDES já vinham sendo dados e a industria têxtil, que a colunista usa como exemplo, perdeu 11% de sua produção este ano, mesmo com 6% de aumento do consumo.
Quando, para fazer frente à crise, o Governo Obama lançou o programa “Buy American”, o Congresso dos Estados Unidos aprovou um pacote de incentivo de US$ 787 bilhões de dólaresestipulando que obras públicas e construções financiadas com recursos públicos usassem somente produtos norte-americanos, incluindo ferro e aço, será que isso era um incentivo à competição e ao “aumento de eficiência”.
O Plano Brasil Maior tem muitos defeitos, e muitas incertezas. Até porque é preciso ver o que funciona e o que não funciona, e só a prática pode mostra-lo. Mas o maior deles não é nenhum dos que Miriam Leitão aponta.
É o de ser pouco. Porque o Brasil precisa de muito mais em matéria de política industrial, que pretende ser mesmo um país desenvolvido.
Arcaico, mesmo, é o pessoal do “laissez faire, laissez passer”, do liberalismo do século 18.
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Plano Brasil Maior e a produção nacional
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