11 de julho de 2011

Tristão e Isolda




A carta estava entre as outras para ser despachada. O agente dos Correios a olhou desinteressadamente, mas algo chamou a atenção nela, é que o remetente se assinava Isolda, e no espaço do destinatário estava escrito: “para Tristão”. “Que coisa romântica!”, pensou o agente. Mas fato mais curioso é que o endereço que Isolda escrevera era a casa de velho solitário, homem respeitável e até admirado por sua simplicidade.

O agente não vira quem postara a carta, mas, no fundo, ele sabia que não podia duvidar da personalidade do remetente. “Mas que havia algo de estranho, havia”, ficou pensando enquanto despachava as correspondências. Ao fim do dia de trabalho lembrou-se novamente das cartas e achou por bem deixar como estava para não comprometer a sua credibilidade como depositário de segredos daquela cidadezinha em que nascera, fora criado e, naturalmente, conhecia todo mundo. Um fato interessante é que não havia na cidade nenhuma moça ou mulher que se chamava Isolda. E outra coisa: "por que não escreviam os sobrenomes?... Certamente deveriam ser mesmo pseudônimos românticos", concluiu.

Seis meses se passaram e não cessaram as trocas de cartas entre Tristão e Isolda, cartas essas, que cada vez mais mexiam com a curiosidade do agente. “Mas será mesmo um romance a distância? Melhor não me envolver porque estamos no início de uma guerra violenta lá fora, e aqui no interior as pessoas se tornam violentas por quase nada”. Mas um dia ele estava chegando perto da casa onde eram entregues as cartas que Tristão enviadas à sua suposta amada Isolda e viu o velho entregando para a moça Ana um envelope idêntico ao que entregara a pouco. “Então as cartas não são para o velho, mas para a moça Ana. Ela tem um namorado secreto, mas é noiva de um rapaz daqui. Meu Deus! isso vai acabar em tragédia!"

Ana era uma moça distinta, professora recém-formada, culta, educadíssima e de família de posição na cidade. Por causa dessas características pessoais, o agente tinha por Ana um carinho paternal. Além do mais, ela fora colega de escola de sua filha, o que estreitava ainda mais os laços. E pior, namorava o filho de um fazendeiro há tempos e se tornara noiva com promessa de casamento recente. O moço era de péssima reputação, grosseiro mesmo, apesar de muito rico. Refletindo sobre tudo isso, o agente decidiu que o mais sensato seria manter sigilo sobre as correspondências, e que, daquele dia em diante, faria questão de tomar cuidado com elas para não fossem parar em mãos estranhas.

Mas a curiosidade é muitas vezes incontrolável e o agente esperou acabar o expediente e, com delicadeza, abriu a carta de Tristão. Leu o texto com calma e, após a leitura constatou que nunca lera algo tão bonito. As metáforas perfeitas, a gramática bem cuidada, e, subliminarmente, um amor grande em cada linha. Se se pode avaliar uma pessoa pelo o que ela escreve, e como escreve, não havia dúvidas que o tal Tristão tinha um excelente caráter e as intenções mais sinceras.

O agente ficou enternecido. Ao chegar a casa perguntou à filha se ela sabia que Ana costumava manter correspondência de outra cidade. A filha, sem cerimônia, disse que mais de uma vez Ana havia lhe falado que mantinha contato com um escritor, cujo endereço conseguiu através do catálogo da livraria, mas que ela preferia manter isso em segredo para não ferir seus pais e o namorado. A filha completou ainda que mais de vez Ana manifestou desejo de conhecer este escritor e, quem sabe, se casar com ele. Mas era só sonho dela”, disse a filha. E ela mesma completou: “confesso que não sei como Ana aceitou se casar com aquele boçal, se ela não precisa do dinheiro dele. Deve ser por causa daquele pai carrasco que ela tem”. A filha quis saber o motivo da pergunta, mas o pai, para despistar, disse que não era nada, que estava a Ana um tanto abatida...” e saiu de fininho.

O casamento de Ana com o filho do fazendeiro foi marcado e na cidadezinha haveria uma semana de festas. O agente seguia fazendo seu trabalho normalmente, mas desde que soube da situação de Ana, do seu casamento sem amor, assumiu de que jamais agiria com as filhas, tentaria ser mais compreensivo com elas. Enquanto isso a troca de cartas entre Tristão e Isolda prosseguia. E o agente, que assumiu para si mesmo a sua bisbilhotice sem pejo, não conseguia mais viver sem ler poesias tão bonitas. Mas percebeu que Isolda não tocara no assunto do casamento com Tristão. “Quem sabe ela esteja planejando algo terrível?!” Ele não sabia. No dia seguinte ao casamento, o agente enviou uma carta a Tristão, nela estava escrito: “Isolda se casou.”

2 comentários

O Regional

minha intenção ao publicar este texto poético, não é fazer literatura, nem desvirtuar a linha do blog, mas apenas dar um refresco entre leituras às vezes tão ácidas.

Avelina

Bonita história Erasmo.
O mundo estáprecisando mesmo de um pouco de suavidade e ternura.
O nosso blog é plural e tudo cai bem.
Obrigada pela suavidade de seu texto.