10 de março de 2011

A COLCHA DE RETALHOS DA REFORMA POLÍTICA

A COLCHA DE RETALHOS DA REFORMA POLÍTICA


Laerte Braga


Weber afirmou que os partidos políticos “são uma associação que visa a um fim deliberado, seja ele objetivo como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja pessoal, isto é destinado a obter benefícios, poder e conseqüentemente glórias para o chefe e sequazes, ou então voltado para todos esses objetivos conjuntamente”.

Maurice Duverger considera que os sindicatos são fontes geradoras de partidos políticos, tanto quanto as “sociedades de pensamento, as igrejas, as associações de antigos combatentes”. “Devem ser citadas como organismos externos capazes de gerar partidos políticos”.

Há os que consideram os partidos políticos como partes – dentro da própria expressão partido – de uma sociedade, nação, voltada para a conquista do poder, a disseminação de idéias, dentro ou não do jogo político institucional, do modelo desenhado por essa sociedade ou nação, que, historicamente é dinâmico, do contrário não tem sentido. Não é uma regra geral e nem pode ser, pois os Estados Unidos têm dois partidos nacionais – Democratas e Republicanos – e ambos são conservadores, cabe melhor a expressão reacionários, à medida que aprisionados dentro de um sistema que se mantém em qualquer circunstância ou governo.

Não há diferenças entre as políticas de Bush e Obama exceto em detalhes e quase sempre detalhes voltados para o público interno, digamos assim.

No Brasil Sérgio Porto não teve tempo de compor um samba sobre o cachoalhar de partidos políticos. O notável jornalista morreu precocemente.

O Partido Socialista Brasileiro, por exemplo, nasceu em 1947 na segunda convenção da Esquerda Democrática, no Rio de Janeiro e tinha entre seus fundadores João Mangabeira, Hermes Lima e Domingos Velasco. Apresentou-se como alternativa ao PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – a base de Getúlio Vargas e ao PCB – Partido Comunista Brasileiro. Incorporava em seu programa teses marxistas e defendia a socialização dos meios de produção, mesmo sendo um partido sem influência maior no movimento operário.

O programa de 1947 dizia que “a socialização realizar-se-á gradativamente, até a transferência ao domínio social de todos os bens passíveis de criar riquezas, mantida a propriedade privada nos limites da possibilidade de sua utilização pessoal, sem prejuízo do interesse coletivo.

À época levou a seus quadros intelectuais como Rubem Braga, José Lins do Rego, Antônio Cândido, Joel da Silveira, Fúlvio Abramo, Mário Apolinário dos Santos, Helio Pelegrino e Sérgio Buarque de Hollanda. Chegou a contar com a tendência trotskista liderada por Mário Pedrosa durante algum tempo.

O resgate da sigla no processo de “redemocratização” do Brasil a partir de 1984 manteve o programa original. Só esqueceram de avisar aos seus integrantes e pode terminar com Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, originalmente do PFL – PARTIDO DA FRENTE LIBERAL -, hoje DEM – DEMOCRATAS -, o espectro mais reacionário do quadro partidário brasileiro, só superado pelos partidos evangélicos. No DEM está o grosso do latifúndio brasileiro –outra parte está no PMDB – grupo de proprietários rurais que acredita piamente na escravidão como instrumento democrático e de progresso – o deles evidente – e banqueiros que se choram de emoção é porque têm olhos de vidro.

Não há reforma política possível dentro desse quadro. Fala-se, por exemplo, em cláusula de barreira, um obstáculo a partidos pequenos, ou formados por interesses contrariados de grandes caciques. Os nanicos, como dizem, a rigor, são os únicos partidos no Brasil a terem programa e a agirem em conformidade com esses programas, caso do PCB, do PSOL (em três estados pelo menos, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo), do PCO, PSTU e do PCBR.

A não ser que se entenda como programa um partido dividido em feudos, caso do PMDB, que tanto pode abrigar uma figura como o ex-governador do Paraná Roberto Requião, como um trêfego Michel Temer, hábil negociador de cargos e vantagens, uma espécie de mascate na divisão de poder do Estado brasileiro.

PT e PSDB são farinha do mesmo saco – com as exceções de praxe no caso do PT. PSDB é doença incurável –.

O ex-governador do extinto estado do Espírito Santo (hoje latifúndio de grandes empresas) Paulo Hartung, corrupto de carteirinha, foi eleito pelo PSB e acabou nos braços do PMDB, mas tem espírito tucano.

Que espécie de reforma política pode sair de uma comissão que tem em seus quadros Itamar Franco (MDB, PL, PRN, PMDB e agora PPS). Aécio Neves (ex-comunista –calma não precisa levar susto nem cair da cadeira, é fato – MDB, PPP, PMDB e PSDB). Collor de Mello (ARENA, PFL, PMDB, PRN e agora PMDB)?

O professor Marcos Coimbra, diretor presidente do Instituto de Pesquisas VOX POPULI, publicou em âmbito nacional os resultados de uma pesquisa sobre o tema – reforma política – e teceu apropriados e corretos comentários – é o seu feitio – em torno do assunto. A imensa maioria dos brasileiros não tem a menor noção do que significa reforma política exceto no quesito “é tudo bandido”. A generalização deliberada e imposta pela mídia, um dos grandes partidos políticos brasileiros, um dos maiores e controlada por interesses e forças externas.

Tenho a certeza que se a pesquisa fosse aplicada a deputados e senadores, menos de 10% seria capaz de explicar ou debater o tema. Não têm a menor noção disso. A preocupação é com a janela para trocar de partido e ajustar-se melhor ao objetivo de parecer querer mudar e não mudar nada. Ou ganhar o controle de FURNAS o mais próspero caixa dois do Brasil.

Ou será que alguém acredita que José Sarney vai correr o risco de perder o controle absoluto sobre o Maranhão antes de terminar a construção da grande pirâmide BREJAL DOS GUAJÁS?

Por acaso que alguém tem idéia do quanto o Senado gasta em formol para manter-se de pé?

Não há reforma política porque o modelo político e institucional brasileiro é uma colcha de retalhos numa constituição que trata até de licença paternidade e foi retocada à revelia dos congressistas/constituintes (não tivemos uma Assembléia Nacional Constituinte, os militares não deixaram) por uma figura execrável em nossos dias, o ministro da Defesa Nelson Jobim. Um factótum do poder, qualquer que seja o poder. Na verdade responde e serve a um poder maior, que vem de longe, não tão longe assim, mas de fora.

Quando Lula inventou o “capitalismo a brasileira” – definição perfeita de Ivan Pinheiro – o fez por absoluta necessidade de sobrevivência diante de tubarões que rondavam o Palácio do Planalto e ameaçavam devorar qualquer tentativa de mudança estrutural. Dilma Roussef busca agora deixar de ser o poste que Lula elegeu para adequar-se ao modelo e transformar-se em marca capaz de garantir um consumo que assegure sua reeleição em 2014. Não duvido nada se no Natal deste ano alguma empresa cismar de lançar bonecas Dilma. Falam, andam, cortam orçamentos, etc.


Vai mudar o que?

Capitanias hereditárias para evitar os “altos custos” das eleições?

Os protestos da deputada Luísa Erundina contra a possível entrada de Kassab no Partido Socialista Brasileiro têm sentido e registram a decência pessoal e política da deputada. O respeito aos compromissos assumidos em campanha eleitoral, aos que nela votaram.

Isso vale para qualquer partido. Como é possível ao PMDB reivindicar algum tipo de princípio ético que não seja a ética do oportunismo – com as exceções de praxe – se indica para o Ministério um político trêfego como Moreira Franco?

O termo reforma em si é inadequado. O País necessita de refundar-se através de uma Assembléia Nacional Constituinte.

Os militares quando deixaram o poder impuseram o Congresso Nacional Constituinte e mais, o direito de intervir na política quando “quando em risco a segurança pública e a ordem nacionais”. São guardiões da democracia. O que significa que a democracia está ferrada.

Em 1964, quando a tropa formou-se no pátio do quartel para o golpe que derrubou João Goulart o comandante era o general Vernon Walthers, adido militar dos EUA no Brasil e que usou a vantagem de ser amigo de Castello Branco e falar português fluentemente.

Vernon Walthers gritou sentido, ordinário, marchem, já com todos equipados e de quatro, cantando Deus Salva a América, “meu céu, meu lar”.

Nos EUA, vejam só, nos EUA, existe a lei dos documentos públicos. Estabelece que todos os documentos de governo devem se tornar públicos após vinte e cinco ou no máximo cinqüenta anos para que os cidadãos tomem conhecimento dos fatos, da história.

Aqui, até hoje, os militares estenderam uma lona sobre a barbárie do regime de 1964 e mantêm impunes torturadores, estupradores, assassinos, etc, com patente de generais, coronéis, para salvaguardar a democracia.

É uma trágica história de um período de sombras não acessível aos brasileiros. Escondem-na na camuflagem do “patriotismo canalha”, definição de Samuel Johnson (que não era comunista, pelo contrário).

Qualquer reforma só será possível se reencontrado o caminho da História, resgatada a História e desse processo participar todo o conjunto da sociedade, seja a organizada, seja a desorganizada.

O resto, toda essa encenação em torno da reforma política lembra não passa de jogo de cena, de distração para a opinião pública, no duro mesmo mais preocupada com o BBB-11 e os heróis de Pedro Bial, no constante processo de alienação e desinformação que a tevê impõe por seus padrões corruptos e a serviço de interesses que não os do Brasil e dos brasileiros.

Michael Moore falou em 400 cidadãos dos EUA que detêm cinqüenta por cento do dinheiro do país e conclamou o povo a reagir retomar o seu lugar, o poder. Falou a centenas de milhares de manifestantes em Madison, Wisconsin, protestando contra a escravidão imposta pelo capitalismo (desemprego, perda de moradias, falta de saúde pública, etc).

A mídia nada, nem toca no assunto.

Os últimos documentos do WIKILEAKS sobre as eleições de 2010 mostram o compromisso expresso do candidato José Serra em alinhar o País com os EUA. Aceitar a tutela. Vender o que resta para vender.

A descarada intervenção norte-americana no processo, inclusive através de um jornalista da GLOBO, William Waack, analista do Departamento de Estado e favorito de Hilary Clinton.

Essa gente vai reformar o que? Vai mudar o que? Votaram a lei da Ficha Limpa e Paulo Maluf continua deputado. João Capiberibe eleito senador e contra o esquema, esse é afastado, impedido de tomar posse.

Milagres da Justiça Eleitoral, outra excrescência, um apêndice anti democrático típico de países que ainda não conseguiram ultrapassar a floresta trevosa do atraso e no fim a culpa é do Irã.

Há um acordo do Poder Judiciário com o Banco Mundial para garantir a propriedade privada como base e pilar das decisões das cortes supremas em nosso País. Foi assinado pelo presidente do STJ – Superior Tribunal de Justiça –.

O termo reforma política, se aceito, transcende ao processo eleitoral, partidário, estende-se a todo o Estado brasileiro e sua estrutura. Do contrário vamos continuar sendo uma colcha de retalhos e uma grande incógnita para os brasileiros.

Estamos ainda em berço esplêndido. Há um fosso entre os que falam em reformar e os que vão ser reformados (o povo).

Cedo ou tarde essas paralelas vão se encontrar e a História retomar seu curso sem interrupções ou páginas em branco.

Não é determinismo não, é realidade pura e simples.

E viva o Partido Socialista Brasileiro e sua mágica de incluir figuras como Gilberto Kassab e outros (Ciro Gomes também, caudilho cearense).

É preciso mais respeito com a História e seus protagonistas. Hermes Lima, Miguel Arraes, João Mangabeira, Rogê Ferreira, Max da Costa Santos e tantos outros.

Um adendo. Num breve momento, na década de 50, final da década, o maranhense José Sarney chegou a cogitar de ingressar no PSB. Tomou um chega prá lá, acabou na UDN e mais tarde presidente da ARENA, partido da ditadura militar.

Aqui em Minas Gerais tem umas colchas de retalhos que são verdadeiras obras primas. No Ceará já vi algumas de encher os olhos.

A de Brasília é uma anomalia, “made in China”, mas a fábrica é no Paraguai, com todo respeito ao povo paraguaio.

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