14 de novembro de 2010

Racismo na Educação Infantil/ As raízes do preconceito

Esta semana foi marcada por um evento na Câmara dos vereadores de São Paulo contra manifestações racistas e xenófobas na rede social Twitter contra nordestinos. Pudemos ver, também, várias manifestações de apoio a esse coletivo em vários blogues .
É preciso entender as raízes do racismo, e do preconceito social e de classe, de maneira mais profunda para que essas manifestações rascistas não pareçam coisas isoladas e que nossa reação não seja apenas sazonal. Uma pessoa preconceituosa e racista não brota do nada, não surge apenas na época pós eleição, como um desabafo pela frustração da derrota de seu candidato.
O caso da garota fascista Maiara Petrusso foi apenas a pontinha de um imenso iceberg, que a sociedade brasileira insiste em deixar submerso nas águas da hipocrisia e no mito da democracia racial.
A educação ( sempre a educação) tem a responsabilidade maior de enfrentar esse problema, de escarafunchar nossas entranhas sociais e trazer à tona toda a herança maldita da escravidão negra no Brasil.
O racismo é um traço medonho de nossa personalidade social, temos que encará-lo de frente e no início do processo de escolarização de nossas crianças se quisermos ser uma sociedade realmente democrática.
Foi o que fez a professora Eliane Cavalleiro, autora da pesquisa sobre o racismo entre crianças de uma EMEI de São Paulo.
Reproduzo o texto do Instituto Geledés pela relevância.
Leiam, comentem e divulguem.

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Dia 27 de outubro, a professora Eliane Cavalleiro lançou o livro Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, discriminação e preconceito na educação infantil, Editora Contexto. Houve certa tensão entre a autora e algumas professoras presentes, mas também muito interesse dos jovens na apresentação do trabalho. O livro, originalmente apresentado como dissertação de mestrado na Faculdade de Educação da USP, é fruto da observação sistemática do cotidiano escolar de uma Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) da região central de São Paulo, durante um período de oito meses, em três salas de aula de crianças entre quatro e seis anos de idade. Observou-se a relação professor/aluno, aluno/professor e aluno/aluno, considerando as expressões verbais, as práticas não-verbais e as práticas pedagógicas do ambiente escolar.


A tensão entre a exposição de Eliane, educadora negra que ousou escarafunchar o espaço sacrossanto da educação infantil, e várias outras educadoras certamente se deve ao fato de que a pesquisa apresenta dados irrefutáveis acerca da crueldade com que seres humanos tão pequeninos são tratados. Outro motivo é que a maioria das professoras (o universo era de mulheres) parece perceber a existência do preconceito racial na sociedade; entretanto, contraditoriamente, nega que ele esteja presente dentro da escola, como se no tecido social doente a escola representasse uma célula sã.

Por seu lado, o interesse dos jovens provavelmente está ligado ao reconhecimento das situações discriminatórias. Raphael, um dos jovens debatedores, perguntou a Eliane como ela se sentiu ao fazer a pesquisa.

Ela respondeu que muitas vezes teve que se esforçar para não intervir nas dinâmicas escolares discriminatórias que deixavam as crianças negras fragilizadas, hostilizadas, catatônicas, e o fez porque sua metodologia de pesquisa não permitia intervenções.
Contrariando as referências bibliográficas analisadas e o depoimento das próprias professoras da escola pesquisada, Eliane percebeu conflitos e hierarquizações raciais entre as crianças, como demonstrou o depoimento de uma garota negra de seis anos. Segundo ela, as crianças só brincavam com ela quando levava brinquedo. Quando indagada por quê, respondeu: ‘‘Porque sou preta. A gente estava brincando de mamãe. A Catarina branca falou: eu não vou ser tia dela (da própria criança que está narrando). A Camila, que é branca, não tem nojo de mim''. A pesquisadora pergunta: ‘‘E as outras crianças têm nojo de você?'' Responde a garota: ‘‘Têm''. Trata-se apenas de um exemplo, pinçado entre dezenas que estarrecem o leitor a cada página.

A omissão e o silêncio das professoras diante dos estereótipos e dos estigmas impostos às crianças negras são a tônica de sua prática pedagógica. Outra menina negra conta que as crianças a xingam de ‘‘preta que não toma banho'' e acrescenta: ‘‘Só porque eu sou preta elas falam que não tomo banho. Ficam me xingando de preta cor de carvão. Ela me xingou de preta fedida. Eu contei à professora e ela não fez nada''. Dois meninos negros eram chamados por uma professora de ‘‘filhotes de São Benedito'', porque ela os achava ‘‘o cão em forma de gente''. Como conseqüência, a auto-estima dessas crianças e sua auto-representação ficarão seriamente abaladas. A imagem de si mesmas será inferiorizada e as crianças brancas que presenciaram as cenas provavelmente se sentirão superiores a elas. Estabelece-se, assim, o círculo vicioso do racismo que estigmatiza uns e gera vantagens e privilégios para outros.

A observação das crianças nos espaços de lazer permitiu à pesquisadora presenciar situações concretas de preconceito e discriminação entre elas. Nesse loccus da liberdade, longe das professoras, as crianças podiam escolher seus parceiros e decidir por quanto tempo permaneceriam brincando com eles. As manifestações discriminatórias foram ouvidas nos momentos em que algo era disputado: poder, espaço físico ou companhia. As crianças repetiam os ensinamentos e comportamentos discriminatórios dos adultos. Foi nesse contexto que um garoto branco sugeriu a outro garoto negro que levasse para casa um carrinho abandonado no tanque de areia, porque ‘‘preto tem que roubar mesmo''.

De volta à relação professor/aluno, a pesquisa mostra que as crianças brancas recebem mais oportunidades de se sentirem aceitas e queridas que as demais; elas são consideradas ‘‘boas'', os elogios são feitos a elas como pessoas, são inteligentes, espertas, bonitas etc. No caso das crianças negras são feitos elogios às tarefas que estão bem-feitas, mas não a elas como seres humanos dignos de admiração e incentivo.

O trabalho de Eliane atinge seu objetivo: constitui-se caldo de cultura fecundo para gerar estratégias que elevem a auto-estima de pessoas pertencentes a grupos discriminados, potencializando, dessa forma, a convivência positiva entre as pessoas na escola, pautada pelos princípios da igualdade.



Leia materia completa: Portal Geledés - Racismo na educação infantil

2 comentários

Ana Cristina Nadruz

Extremamente oportuno! durante 10 anos dei aulas de arte e expressão criativa para alunos de ensino fundamental, em colégio renomado da zona sul carioca. Muitas vezes presenciei cenas com as descritas acima. Ainda mais que essas crianças discriminadas eram minoria em uma escola de elite.Na aula de artes e de Contação de História, tínhamos oportunidade de trabalhar com mais cuidado este assunto junto as crianças, lendo histórias como "Flicts", do Ziraldo, sorteando os papéis dos personagens na hora das dramatizações, falando da importância fundamental de TODAS as cores na hora de fazer arte etc. Ua vez uma aluninha me perguntou que tintas misturar para fazer cor da pele. Perguntei QUE cor de pele? Porque tem muitas cores de pele. Ela respondeu: mais moreninha. E ensinei a mistura, sempre consultando se estava ajustado ao que ela pretendia. Outra no meu lugar, já ensinaria a mistura que resultasse num rosado claro! Cor de pele, para a grande maikoria, éreferente à pele "branca"!

Avelina

Lindamorena Anacris

é importante discutir e difundir este tema. A educação,começando na infantil, é uma arma poderosa contra o racismo.
Obrigada pela visita querida.
saudades de vc.