9 de agosto de 2010

QUEIXA DO CARREFOUR CONTRA DIARISTA DESEMPREGADA EVOCA 'OS MISERÁVEIS'


Celso Lungaretti(*)

Jean Valjean é um personagem lapidar da literatura universal, extraído da vida pela pena poderosa de Victor Hugo e a ela sempre voltando, pois a era capitalista se caracteriza pelos mais cruéis abusos e pelas injustiças mais chocantes.

Para as novas gerações, vítimas da faina incessante da indústria cultural no sentido de obnubilar as consciências, explico: personagem principal da obra-prima Os Miseráveis, Valjean perde os pais ainda criança, é criado pela irmã mais velha e, quando esta enviuva com sete filhos para criar, vai à luta para sustentar sua família.

Num inverno em que não consegue emprego, o desespero o leva a roubar um pão.

Preso e condenado a cinco anos de trabalhos forçados, acaba cumprindo 19, em função das várias tentativas de fuga.

Magníficos atores, como Friedric March, Jean Gabin, Gerard Depardieu e Liam Neeson, interpretaram Valjean nas versões cinematográficas de Os Miseráveis -- que somam, pelo menos, 12.

Para mim, ele sempre terá a forte imagem de Lino Ventura (foto acima), protagonista da minissérie de TV dirigida em 1982 por Robert Hossein e depois condensada para o cinema. Talvez porque este carismático ator italiano, mais lembrado por suas interpretações de gangstêres e delegados na grande fase dos filmes policiais franceses (anos 60 e 70), fosse parecidíssimo com um tio-avô meu...

Já os pobres coitados que revivem o drama de Valjean por caírem em armadilhas do destino são incontáveis -- porque o capitalismo, no que tem de essencial, em nada melhorou desde o século 19 nem será redimido jamais; vai continuar tangendo o homem a ser o lobo do homem, enquanto perdurar.

Valjean aparece no noticiário desta 2ª feira (9) em versão feminina: Juíza manda prender desempregada, mãe de 10 filhos, por calote de fiança:

"Uma diarista desempregada, mãe de dez filhos, moradora de uma favela em Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, corre o risco de ser presa a qualquer momento se não pagar R$ 300 à Justiça.

"A cobrança se refere à fiança por ela ter sido presa em flagrante e depois libertada ao tentar furtar roupas de um supermercado. O crime aconteceu no dia 30 de julho.

"Claudinéia Freitas Santos, 38, foi até um supermercado Carrefour e tentou furtar dez bermudas e dois sapatos para os filhos. Um segurança a flagrou e chamou a polícia. Acabou presa em flagrante".

É óbvio que casos assim se repetirão enquanto estivermos submetidos a uma forma de organização econômica-política-social que privilegia a ganância, o privilégio e a competição autofágica entre os homens, ao invés do atendimento das necessidades humanas, da igualdade de oportunidades e da solidariedade universal.

Mesmo assim, vale sempre mobilizarmo-nos para que as ocorrências escabrosas noticiadas tenham um desfecho justo -- pois, além de evitar-se o pior para as vítimas em questão, o exemplo poderá beneficiar a outros(as) coitadezas, em circunstâncias semelhantes.

Então, como o Carrefour não tem ombudsman, recomendo a todos que mandem mensagens, pedindo à empresa para retirar a queixa contra Claudinéia e ressarci-la pelos transtornos causados à sua existência sofrida, para as profissionais responsáveis pela comunicação empresarial em São Paulo:

julianasouza@a4com.com.br
juliana_machado@carrefour.com

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Celso Lungaretti, jornalista, escritor e ex-preso político anistiado pelo MJ. Mantém o blog Náufragos da Utopia Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz




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Felicidade! Passou no vestibular da impunidade



No Brasil, a população carcerária aproxima-se do total de meio milhão de presos.

Mas Mizael, assim como Pimenta Neves (lembram-se? Deu dois tiros na ex-namorada), não será um deles.

Sua acusação é "leve": de apenas matar uma jovem mulher, também ex-namorada do acusado.

O juiz disse em sua decisão que não se pode abusar de "prisões temporárias".

Talvez daqui a alguns anos, o Mizael vá a julgamento e seja condenado pelo júri, mas a justiça, generosa como sempre com esses tipos de crimes, já terá um habeas corpus prontinho para que, mais uma vez, ele se mantenha em liberdade.

Afinal, gente, ele não furtou margarina nem xampu em supermercado...

Recomeço

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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

Agência Assaz Atroz

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