10 de agosto de 2010

O obscuro mundo branquinho, branquinho dos mineiros da Sérvia no Festival de Locarno


Rui Martins - para a nossa Agência Assaz Atroz

O cineasta sérvio Oleg Novikovich afirma, no início do encontro com a imprensa, que seu filme Beli Beli Svet (na competição no Festival de Locarno) não é político, mas sim de relações humanas e amor, porém, não nega o evidente, as questões sociais nele mostradas, e seu epílogo, inspirado de tragédia grega, é um canto coral operário, onde se ouve «nossa mãe é a miséria e nossa irmã a pobreza»

O cenário é a cidade de Bor, região mineira sérvia, que, como em outros países, reúne os operários subterrâneos, unidos, corajosos, mas isolados e sujos. A pobreza crônica faz com que seus problemas familiares acabem por se transformar em dramas cotidianos, com as frustrações e decepções alimentadas pelos pequenos vícios dos operários – o álcool de má qualidade, cerveja barata e cigarro de arrebentar peito. Se resta um pouco de energia, depois de sair dos buracos das minas, faz-se sexo familiar ou sexo avulso que pode se transformar em tragédia. Ou simplesmente se amarga alguma decepção amorosa.

Essa situação de cidade mineira se tem agravado, comenta o cineasta, com a implantação do capitalismo (a Sérvia foi um dos últimos países a deixar o comunismo na Europa) «como está ocorrendo atualmente em todo mundo». Para ele, Bor, antes era uma cidade em desenvolvimento, hoje é uma cidade devastada e decadente, típica de uma fase pós-industrial, com as minas abandonadas e a poeira colada nos tetos e paredes das casas dando-lhe um aspecto de ruína geral.

«De certa forma, essa decadência é provocada pelo capitalismo selvagem e sua globalização, diz Novikovich, pois é o mesmo quadro que se vê em outros países. Mas não considero este filme um filme negro, pois os personagens querem encontrar uma maneira de viver sua vida e exercer sua energia vivante».

Nesse quadro, há o personagem central apelidado de King, que emigrou quando jovem, retornou alguns anos depois e comprou um bar. Solitário, de poucas palavras, tem uma moto e uma história sombria – tivera um caso com a mulher do seu melhor amigo, a crise levou-a a matar o marido e a ser condenada a alguns anos de prisão. Libertada, um tanto envelhecida, pensa em ficar com King, mas sua filha, jovem alcoólica e rebelde, a precede.

Só que sua mãe guardara um segredo, revelado tarde demais – ficara grávida na época de sua infidelidade e sua filha Ruzica não era filha do marido, mas do amante. Ruzica vivia, portanto, um caso de amor carnal, forte, violento, mas incestuoso com o próprio pai, que, ao saber, se suicida. Um drama da classe operária, no fundo conservadora, submissa aos seus tabus e incapaz de transgredi-los como na mitologia grega.

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[Indicação de vídeo p/Assaz Atroz: http://www.youtube.com/watch?v=zmVO_Dia91A
Vídeo postado no Youtube, sem descrição do conteúdo; arriscamos dizer que se trata de trecho do filme Beli Beli Svet que concorre no Festival de Locarno]
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Rui Martins é ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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Para melhor entender Beli Beli Svet, assista...



Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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