16 de novembro de 2013

A METAMORFOSE DE JOAQUIM.

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ou
EU SOU O PODER

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Aconteceu no exato instante que pressionei a tecla POWER do controle remoto: um arrepio intenso partiu de minha nuca e correu meu corpo com uma velocidade e calor cruéis como nunca havia sentido antes! Fez meu corpo pesado estremecer na poltrona diante da TV como um choque, um golpe atinge minha cabeça com uma força descomunal.

Não posso abrir os olhos; a sala do meu apartamento funcional grita um silêncio aterrorizante e me paralisa. Minha amada dorme no quarto que parece estar distante um milhão de quilômetros de onde estou, quero gritar para que me ouça, que me acuda com a urgência que o momento exige: não há voz em minha garganta nem sei se estou sendo capaz de respirar para encher meus pulmões de oxigênio e urrar por socorro. Sou uma presa nas garras do predador!

Minha mãe não está comigo, preciso de você, te quero agora junto de mim, onde está para que me aninhe em teus braços e me embale com tua humildade singela, tão materna, para me amparar no momento da minha morte?

Sinto que não poderei resistir! Estou terminando, sobrevivo com o resto de ar impuro que ainda está dentro de mim, o tempo se esvai, meus poucos segundos de vida teimam em voar na velocidade da luz! Não quero morrer, mãe, onde está você?

Meu Deus me proteja, não sei se já morri mas não sinto mais o arrepio, só uma dor de cabeça que produz um zunido agudo em meus tímpanos; o choque terminou e, no entanto, acredito que ainda estou vivo ... mãezinha, é você? O ar passa por minha garganta e me queima a traqueia, é um sopro de vida que mantém a consciência. Apesar de paralisado, sei que estou vivo! Meu Deus, obrigado ... quero abrir os olhos mas não consigo, estão pesados e minhas pálpebras insistem em não se mover. Minha amada, preciso de você, acorde ...

Não tenho certeza se consegui abrir os olhos, tenho a sensação de que posso ver, é maravilhoso perceber o retorno à vida como um milagre ... minha mão agarra com força o braço da poltrona e, apesar de estar só, a mão que vejo é branca! Não sou eu! Qual o Demônio, de tantos que me atormentam desde pequeno, me possui? Não sou quem penso ser, em quê me transformei?

Perco o controle sobre minhas emoções, não sei mais reagir, quero correr de onde estou, preciso fugir de mim e tudo o que me vem à mente, agora, é Franz Kafka! Enlouqueço, preciso me concentrar, que diabos Kafka faz dentro de mim?

Por impulso, num salto acrobático, me lanço da poltrona e corro para o banheiro. Um espelho, preciso de um espelho! Vôo como se tivesse asas, não tenho mais o carpete sob meus pés! Minhas antenas que me guiam e  alcanço meu objetivo.

Grito. Não sinto o ar partindo de mim para ecoar meu desespero, nem ouço meu próprio som. Mas grito tão alto para que minha mãe posso vir saber o que restou de mim. Kafka! Como adoraria ter me transformado numa barata ... mas não sou um inseto, continuo gente, estou branco, onde está minha negritude que tanto me orgulha? Onde foram parar meus pensamentos, meus conceitos de bem e de mal, minha honra e meu regozijo por chegar onde cheguei?

Com minhas pequenas mãos brancas tento esfregar os olhos mas a imagem do espelho permanece a mesma. Uma transformação, uma metamorfose, um castigo divino, uma açoite de culpa, um tiro, um enforcamento me imobiliza não o corpo, mas minha alma ... é um demônio, estou sendo possuído! Minha mãe, te imploro para que me salve!

Pregado numa cruz diante do espelho, tento desviar o olhar mas não consigo. Meus olhos me sufocam, mejulgam e me condenam. Finalmente, minha mãezinha surge. Não a vejo mas sinto que está aqui. Ouço sua voz, uma lamúria de sofrimento diante de seu filho aprisionado em sua própria mente, ela me conforta e me acaricia o cabelo com sas mãos macias, me traz a paz que tanto preciso. Me leve consigo, te imploro, digo sem voz. Em sua imensa sabedoria ela sussurra em meu ouvido que estará comigo sempre que for preciso mas que não pode me libertar. A imagem que vejo no espelho sou eu mesmo, apesar de não me reconhecer naquele corpo. É meu pecado, são meus erros materializados numa imagem que me atormenta e me prende num cárcere inexpugnável dentro de mim. Não posso fugir daquilo que sou e que só eu sei que sou!

Minha mãe se vai com a mesma tranquilidade como chegou. Estou só novamente. Minhas pernas parecem sentir o sangue correr e me movimento, uma tentativa de dar um passo atrás e me afasto do espelho. A imagem refletida se move comigo, aquele homem branco, que sou eu, tem a expressão serena que me faz acreditar que posso apagá-lo do espelho. Me afasto, lentamente passo pela porta até nçao poder mais vê-lo e volto para a poltrona onde estava antes do choque; a TV está ligada, eu a apaguei? Estou confuso, quero me concentrar nas imagens que vejo, quero voltar à realidade, sair do pesadelo que me fez acreditar que estava morto ...

É ele que vejo nas imagens em HD: é aquele que se apossou de meu espelho e de mim. Ele caminha cercado por pessoas de uniforme, uma multidão grita coisas que não consigo entender, há luzes e câmeras de milhões de fotógrafos que tentam uma exclusiva. Ele é branco, eu sou branco, ele me olha, eu me olho ... o que está acontecendo, eu o conheço, sei tudo de sua vida como se fosse a minha própria, sou eu? É ele meu pecado? O que foi que você me disse, mãe?

Fecho os olhos que não tinha certeza se estavam abertos.
Da TV, apenas ouço a cobertura da prisão de um tal Zé de alguma coisa. Não posso me saber aprisionado por mim mesmo. Preciso me manter puro, ser admirado e me orgulho de ser quem sou, ainda que ninguém saiba dos meus demônios e dos meus pecados. Não sou aquele sujeito preso pela polícia, me sinto um Rei, tenho poder e sou reconhecido como justo. Isso me basta, isso sempre me bastou!

Estou feliz, agora volto ao normal pouco a pouco, minha aura superior retorna e me envolve como uma capa de reconhecimento que exigo que tenham de mim. Não sou aquele homem branco do espelho. Ele é um Zé, meu nome é Joaquim!

Levanto da poltrona sem desligar a TV, não posso arriscar. Vou para o leito de minha amada que dorme sem saber o que me passou. Não vou lhe dizer, ela não precisa conhecer minha consciência, minhas impurezas e fraquezas. Ela me ama! Sou amado por muitos e por mim.

No corredor, que me levará à cama de minha mulher, a porta do banheiro está entreaberta. Lá dentro, sei que há um espelho. Uma barreira que preciso ultrapassar. Guardo minhas mãos no bolso da calça, não quero vê-las! Estou seguro, devem estar negras como sempre foram, mas não quero vê-las. Aperto o passo; num esforço hercúleo mantenho meu pescoço virado para o lado oposto ao espelho, como uma barata rastejo pelo chão, ele não deve estar mais lá, mas ...

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