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ou
EU SOU O PODER
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Aconteceu no exato instante que pressionei a tecla POWER do
controle remoto: um arrepio intenso partiu de minha nuca e correu meu corpo com
uma velocidade e calor cruéis como nunca havia sentido antes! Fez meu corpo
pesado estremecer na poltrona diante da TV como um choque, um golpe atinge
minha cabeça com uma força descomunal.
Não posso abrir os olhos; a sala do meu apartamento
funcional grita um silêncio aterrorizante e me paralisa. Minha amada dorme no
quarto que parece estar distante um milhão de quilômetros de onde estou, quero
gritar para que me ouça, que me acuda com a urgência que o momento exige: não há
voz em minha garganta nem sei se estou sendo capaz de respirar para encher meus
pulmões de oxigênio e urrar por socorro. Sou uma presa nas garras do predador!
Minha mãe não está comigo, preciso de você, te
quero agora
junto de mim, onde está para que me aninhe em teus braços e me embale
com tua humildade singela, tão materna, para me amparar no momento
da minha morte?
Sinto que não poderei resistir! Estou terminando, sobrevivo
com o resto de ar impuro que ainda está dentro de mim, o tempo se esvai,
meus poucos segundos de vida teimam em voar na velocidade da luz! Não quero
morrer, mãe, onde está você?
Meu Deus me proteja, não sei se já morri mas não
sinto mais
o arrepio, só uma dor de cabeça que produz um zunido agudo em meus
tímpanos; o choque terminou e, no entanto, acredito que ainda estou vivo
...
mãezinha, é você? O ar passa por minha garganta e me queima a traqueia, é
um
sopro de vida que mantém a consciência. Apesar de paralisado, sei que
estou
vivo! Meu Deus, obrigado ... quero abrir os olhos mas não consigo, estão
pesados e minhas pálpebras insistem em não se mover. Minha amada,
preciso de
você, acorde ...
Não tenho certeza se consegui abrir os olhos, tenho a
sensação de que posso ver, é maravilhoso perceber o retorno à vida como um milagre
... minha mão agarra com força o braço da poltrona e, apesar de estar só, a mão
que vejo é branca! Não sou eu! Qual o Demônio, de tantos que me atormentam
desde pequeno, me possui? Não sou quem penso ser, em quê me transformei?
Perco o controle sobre minhas emoções, não sei mais reagir,
quero correr de onde estou, preciso fugir de mim e tudo o que me vem à mente,
agora, é Franz Kafka! Enlouqueço, preciso me concentrar, que diabos
Kafka faz dentro de mim?
Por impulso, num salto acrobático, me lanço da
poltrona e corro para o banheiro. Um espelho, preciso de um espelho! Vôo
como se tivesse asas, não tenho mais o carpete sob meus pés! Minhas
antenas que me guiam e alcanço meu objetivo.
Grito. Não sinto o ar partindo de mim para ecoar meu
desespero, nem ouço meu próprio som. Mas grito tão alto para que minha mãe
posso vir saber o que restou de mim. Kafka! Como adoraria ter me transformado
numa barata ... mas não sou um inseto, continuo gente, estou branco, onde está
minha negritude que tanto me orgulha? Onde foram parar meus pensamentos, meus
conceitos de bem e de mal, minha honra e meu regozijo por chegar onde cheguei?
Com minhas pequenas mãos brancas tento esfregar os olhos mas a
imagem do espelho permanece a mesma. Uma transformação, uma metamorfose, um castigo
divino, uma açoite de culpa, um tiro, um enforcamento me imobiliza não o corpo,
mas minha alma ... é um demônio, estou sendo possuído! Minha mãe, te imploro
para que me salve!
Pregado numa cruz diante do espelho, tento desviar o olhar
mas não consigo. Meus olhos me sufocam, mejulgam e me condenam. Finalmente, minha mãezinha surge. Não a vejo mas sinto que está
aqui. Ouço sua voz, uma lamúria de sofrimento diante de seu filho aprisionado
em sua própria mente, ela me conforta e me acaricia o cabelo com sas mãos macias, me traz a paz que tanto
preciso. Me leve consigo, te imploro, digo sem voz. Em sua imensa sabedoria ela
sussurra em meu ouvido que estará comigo sempre que for preciso mas que não
pode me libertar. A imagem que vejo no espelho sou eu mesmo, apesar de não me
reconhecer naquele corpo. É meu pecado, são meus erros materializados numa
imagem que me atormenta e me prende num cárcere inexpugnável dentro de mim. Não
posso fugir daquilo que sou e que só eu sei que sou!
Minha mãe se vai com a mesma tranquilidade como chegou.
Estou só novamente. Minhas pernas parecem sentir o sangue correr e me movimento, uma tentativa de
dar um passo atrás e me afasto do espelho. A imagem refletida se move comigo,
aquele homem branco, que sou eu, tem a expressão serena que me faz acreditar
que posso apagá-lo do espelho. Me afasto, lentamente passo pela porta até nçao poder mais vê-lo e volto
para a poltrona onde estava antes do choque; a TV está ligada, eu a apaguei?
Estou confuso, quero me concentrar nas imagens que vejo, quero voltar à
realidade, sair do pesadelo que me fez acreditar que estava morto ...
É ele que vejo nas imagens em HD: é aquele que se apossou de
meu espelho e de mim. Ele caminha cercado por pessoas de uniforme, uma multidão
grita coisas que não consigo entender, há luzes e câmeras de milhões de fotógrafos
que tentam uma exclusiva. Ele é branco, eu sou branco, ele me olha, eu me olho
... o que está acontecendo, eu o conheço, sei tudo de sua vida como se fosse a
minha própria, sou eu? É ele meu pecado? O que foi que você me disse, mãe?
Fecho os olhos que não tinha certeza se estavam abertos.
Da TV, apenas ouço a cobertura da prisão de um tal
Zé de
alguma coisa. Não posso me saber aprisionado por mim mesmo. Preciso me
manter
puro, ser admirado e me orgulho de ser quem sou, ainda que ninguém saiba
dos meus demônios e dos meus pecados. Não sou aquele sujeito preso pela
polícia, me sinto um Rei, tenho poder e sou reconhecido como justo. Isso
me
basta, isso sempre me bastou!
Estou feliz, agora volto ao normal pouco a pouco, minha
aura superior retorna e me envolve como uma capa de reconhecimento que exigo que tenham de
mim. Não sou aquele homem branco do espelho. Ele é um Zé, meu nome é Joaquim!
Levanto da poltrona sem desligar a TV, não posso arriscar. Vou para o
leito de minha amada que dorme sem saber o que me passou. Não vou lhe dizer,
ela não precisa conhecer minha consciência, minhas impurezas e fraquezas. Ela
me ama! Sou amado por muitos e por mim.
No corredor, que me levará à cama de minha mulher, a
porta do
banheiro está entreaberta. Lá dentro, sei que há um espelho. Uma
barreira que
preciso ultrapassar. Guardo minhas mãos no bolso da calça, não quero
vê-las! Estou seguro, devem estar negras como sempre foram, mas não
quero vê-las. Aperto o passo; num esforço
hercúleo mantenho meu pescoço virado para o lado oposto ao espelho, como
uma barata rastejo pelo chão, ele não
deve estar mais lá, mas ...
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