3 de julho de 2013

Cheiro de colonialismo no ar da Europa


Episódio com Evo Morales demonstra subserviência dos governos do continente aos Estados Unidos, Obama vê crescer a antipatia mundial contra si e Putin fatura prestígio
por Flávio Aguiar, para a Rede Brasil Atual 
© HELMUT FOHRINGER/EFE
Evo na Austria
O presidente da Bolívia, Evo Morales, que teve a vida em risco ao ser proibido de atravessar o espaço aéreo de países europeus
Governos europeus fizeram um papelão tão truculento quanto ridículo, ao negarem passagem para o avião presidencial boliviano – com o presidente Evo Morales a bordo, além de outras autoridades – por seu espaço aéreo, pondo em risco a sua vida, devido a problemas de combustível. Até o momento, quatro governos estão no banco dos réus desta denúncia feita pelo governo de La Paz: Portugal, Espanha, França e Itália.
O avião, que procedia de Moscou, onde Morales comparecera a uma reunião de países produtores de gás, teve de retornar e fazer um pouso de emergência em Viena, na Áustria.
Espalhara-se a suspeita de que estaria a bordo do avião, viajando secretamente, Edward Snowden, o norte-americano ex-técnico da CIA que denunciou o esquema de espionagem da National Security Agency contra os aliados de Washington. O próprio presidente Evo Morales negou a informação, mas isto de nada adiantou.
A Espanha, que autorizara uma escala técnica nas ilhas Canárias para reabastecimento, suspendeu a autorização, a menos que Morales permitisse a revista da aeronave. Por seu turno, as autoridades austríacas negaram que tenham revistado o avião, mas realizaram o controle dos passaportes dentro da aeronave, ao invés de fora, alegando que o pouso fora de emergência e não estava previsto. Se isto não equivaler a uma revista, não sei o que será, embora possivelmente as autoridades locais não tenham chegado ao ponto de olhar dentro dos banheiros, do compartimento de carga ou até mesmo dentro das malas.
O caso vai ser levado a uma reunião de emergência da Unasul, e espera-se uma condenação do gesto arbitrário das autoridades europeias envolvidas que, além de demonstrarem subserviência em relação aos Estados Unidos, requentaram a própria herança colonialista em relação à América Latina.
O caso Snowden – mais do que de Assange, retido na embaixada do Equador em Londres – é sério candidato ao título de maior imbróglio diplomático deste começo de século. Snowden, pelo visto (mas sem ser visto) permanece na área de trânsito do aeroporto internacional de Moscou. Como seu passaporte foi cassado pelos Estados Unidos, e como o Equador desautorizou o salvo-conduto provisório que o cônsul equatoriano em Londres lhe concedera, ele não pode sair legalmente deste seu refúgio e cárcere, a menos que a Rússia lhe conceda novo documento.
Vladimir Putin ofereceu asilo a Snowden, mas sob uma condição que ele não aceitou: parar com suas atividades de denúncia em relação aos Estados Unidos. Para complicar a situação, é verdade que, para deixar Moscou em direção a um país disposto a recebê-lo, o avião que levar Snowden precisa da autorização para cruzar o espaço aéreo dos países que sobrevoar.
No caso, por exemplo, de ele voar para Cuba, em condições normais um avião que partisse de Moscou teria de sobrevoar , em parte, o território norte-americano, cujo governo poderia, em tese, forçar a aeronave a aterrissar – com consequências diplomáticas imprevisíveis para todos os países envolvidos.
Snowden pediu asilo a vários países, inclusive na Europa e até ao Brasil. O Itamaraty diz que não vai se manifestar sobre o pedido. Outros países o rejeitaram, como a Polônia e, ao que parece, a Índia. O Equador declarou que para considerar o pedido de asilo, Snowden teria de estar em seu território ou em alguma embaixada equatoriana.
Ele poderia, por exemplo, se refugiar na Embaixada de Quito em Moscou – mas para isto teria de deixar o aeroporto e entrar oficialmente na Rússia, engrossando o problema de Putin em relação a Washington, num momento em que ambos os países estão às voltas com a crise síria e possivelmente uma nova crise política de dimensões desconhecidas no Egito.
Na Europa, crescem a antipatia pela espionagem norte-americana e a simpatia por Snowden, que também conta com declarações simpáticas das autoridades bolivianas e venezuelanas.
Se o governo alemão somou-se às negativas de asilo para Snowden na terça-feira, políticos de todos os partidos – até da CDU de Ângela Merkel e de seu aliado FDP – expressaram sua simpatia por este novo “Freiheitsheld” – “Herói da Liberdade” – como ele vem sendo chamado.
A Linke expressou oficialmente seu apoio ao asilo, e políticos de expressão dos Verdes declararam que a Alemanha não só deveria oferecer-lhe asilo, mas deveria dar-lhe a proteção dispensada a testemunhas em perigo, devido às denúncias que ele fez contra a espionagem norte-americana. A nota destoante ficou por conta do porta-voz oficial do SPD, que, embora tenha declarado simpatia por Snowden, afirmou que ele “deve enfrentar as consequências legais de seus atos”.
Outros dois pontos merecem ainda consideração. O primeiro é o fato de que os Estados Unidos, enquanto exigem a deportação de Snowden e ameaçam sobretudo os países latinoamericanos com retaliações caso abriguem ou facilitem a passagem de Snowden, abrigam em seu território vários acusados de crimes graves – até de genocídio – nos países que ameaçam.
Este é o caso de acusados de crimes graves no Equador e na Bolívia, além de cubanos acusados de atentados contra cidadãos de seu país e de Michael Townley, um ex-agente da DINA (polícia secreta chilena) e da CIA, acusado de vários crimes políticos em países latino-americanos. Townley foi condenado pelo assassinato do ex-chanceler chileno Orlando Letelier e de sua secretária em território norte-americano, mas é acusado de outros crimes na Argentina e foi condenado também na Itália.
O segundo é o fato de que os governos envolvidos neste episódio do avião presidencial boliviano perderam qualquer tipo de moral para reclamarem contra a espionagem norteamericana. Esta queda de moral respingou inclusive sobre a chanceler Ângela Markel, que se mostrou especialmente crítica em relação às atitudes de Washington, mas cujo governo negou sumariamente proteção a Snowden.
Quem vem faturando com o caso é Vladmir Putin, frequentemente acusado de atentados à liberdade de expressão, e que agora aparece como o protetor do “Freiheitsheld”.

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