5 de junho de 2012

O uso político da toga


O uso político da toga
ANÁLISE / Gilmar Mendes atua outra vez de forma partidária e deveria se declarar impedido no caso do chamado mensalão

POR WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH
no site do CNJ

NA MANHÃ DE 26 de abril, houve em Brasília, especificamente no escritório do ex-ministro Nelson Jobim, uma reunião de cunho privado com a participação de três personagens da vida político-partidária brasileira. Atenção: da vida político-partidária. O anfitrião Jobim recebeu Gilmar Mendes, fora de função pública e em encontro particular e reservado, e Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República.

Os três admitem o encontro e divergem no restante. Frise-se: nem Jobim nem Lula ocupam cargos públicos. Portanto, Mendes é o problema. Aliás, um grande problema ainda não exposto pela mídia. Tudo por causa da sua proibida, frequente e intensa atividade política. Pela Constituição, "aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária" (art. 95, parágrafo único II).

Além de noticiadas incursões eleitorais em Diamantino (a família domina a política em sua terra natal e o ministro participa de campanhas), não deve ser esquecido o fato de Mendes, em setembro de 2010, ter sido flagrado a atender telefonema de José Serra, então candidato à Presidência pelo PSDB. Isso quando presidia no STF uma sessão que analisava as exigências de documentos de apresentação necessária para o exercício do direito de voto. Pelo noticiado, Serra estava interessado em adiar o julgamento.

Segundo Jorge Bastos Moreno, colunista O Globo, Mendes saiu da reunião do escritório de Jobim em abril e rumou para outra com integrantes do Democratas e o seu líder maior, José Agripino Maia (a respeito, leia a coluna Rosa dos Ventos à pág, 17). Por ter deixado o partido, não estava presente o senador Demóstenes Torres. Nos últimos dias, Torres tem sido tratado por Mendes como um mero conhecido. Amizade, jamais. Pelo ministro do STF ao certo o senador não seria avisado nem sobre o último trem de Berlim.

Passado um mês de tal reunião no escritório de Jobim, Mendes resolveu contar à revista Veja a versão a respeito do transcorrido e destacou sua indignação com Lula, que teria tentado chantageá-lo ao propor o adiamento do julgamento do processo conhecido por "mensalão" em troca de uma "proteção" na CPI do Cachoeira. A "blindagem" seria sobre um encontro em Berlim, com a insinuação de que a viagem havia sido patrocinada pelo contraventor que dá nome à comissão parlamentar. Não tivesse o STF se colocado acima doConselho Nacional de Justiça (CNJ), Mendes certamente responderia por comportamento ético incompatível com o cargo. Encontrar com Cachoeira, secundado por Torres, seria comprometedor em qualquer lugar.

Jobim e Lula negaram qualquer pressão ou chantagem sobre o ministro. Até um bacharel em Direito não aprovado em exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sabe que o STF é um órgão colegiado e não monocrático. Trocando em miúdos e no popular, o Supremo não é só Mendes. Este, por suas trapalhadas, prejulgamentos e protagonismos, incompatíveis com a conduta de um juiz togado, não possui apenas Joaquim Barbosa como opositor entre seus pares. Mas o ex-presidente do tribunal conta, desde o episódio das liminares dadas ao banqueiro Daniel Dantas e contra o previsto em súmula, com o apoio do decano Celso de Mello, que, em relação à suposta chantagem, conjecturou situações a condenar de antemão Lula, como se verdadeira fosse a versão do colega de corte e mendazes as duas outras.

O atual presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que marca a pauta, já se comprometeu a colocar o mensalão em julgamento este ano e o revisor, Ricardo Lewandowski, de apressar o seu trabalho. Até o rito procedimental no dia do julgamento foi recentemente acertado.

Na construção do espetáculo de circo mambembe promovido por Mendes não faltaram referências ao ex-ministro Sepúlveda Pertence e ao respeitado professor Bandeira de Mello, como se esses tivessem agido como laranjas. Até agora não se sabe se Lula cogita processar o ministro do STF, criminalmente por ofensa à honra e civilmente por dano moral.

Objetivamente e referente à partida que quis jogar, Mendes perdeu por 2 a 1, ou seja, sua versão restou isolada. Apesar de se dizer indignado, o ministro silenciou por 26 dias. Um magistrado do STF, ou qualquer juiz, deve logo transmitir uma notícia-crime que o envolva à presidência do seu tribunal, ao Ministério Público e até à polícia. No STF, em nenhuma sessão administrativa, na parte reservada, ele relatou o sucedido na reunião. Conforme notícia CartaCapital nesta edição, ele só procurou o presidente Ayres Britto às vésperas da publicação da "reportagem" de Veja.

Mendes diz ter comunicado o fato ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que, pelo jeito, colocou o relatado na mesma gaveta onde por mais de dois anos permaneceram os autos do inquérito policial relativo à Operação Vegas.

Com a credibilidade posta outra vez em dúvida, o ministro começou a mudar a versão e a pressão de Lula virou uma "conversa normal". Segundo suas próprias palavras, "visões diferentes e sinceras. É natural que ele possa ter uma avaliação, um interesse de momento de julgamento".

Nas 24 horas posteriores à nota de Lula e às declarações de Jobim, algumas estranhezas chamaram atenção. Mendes usa de diversionismo ao procurar tirar de foco o encontro em Berlim com Cachoeira. Para isso, foca na questão do financiamento da viagem. Ele garante ter pago, mas o valor parece ter sido quitado pelo STF. E o pagamento por aulas ministradas em Granada, na Espanha, onde o ministro afirma ser professor, aponta para despesas de viagem de natureza particular e que deveriam ser pagas pela instituição de ensino espanhola ou pelo professor. Fora isso, existe a despesa da viagem da Espanha a Berlim para visitar a filha. Assim, nada pode ficar encoberto pelas sombras do Portão de Brandemburgo.

As acusações de Mendes foram num crescer. Sem dizer nomes, o ministro sustentou que bandidos e gângsteres atuam em favor dos réus do mensalão. Com esse destempero, o ministro se colocou em situação de impedimento para julgar. Acabou por desqualificar os réus ao ligá-los a "gângsteres e bandidos que tentam melar o julgamento do mensalão".

Numa obra clássica intitulada Essere Giudice Oggi ( Ser Juiz Hoje), o jurista e magistrado Piero Pajardi define um juiz: "Consciência crítica da sociedade" que não pode "transigir com respeito à sua imparcialidade". Mendes, os ministros do STF e os interessados na verdade deveriam refletir a respeito.

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