12 de janeiro de 2012

Cracolândia com Rota e no aguardo do Capitão Nascimento


O fenômeno representado pelas drogas proibidas pelas convenções da Organização das Nações Unidas (ONU) é complexo. Interesses geopolíticos, geoestratégicos e geoeconômicos são escondidos em falsas ações de combate à oferta, à demanda, ao tratamento e à reinserção social. Como avisou em 2010 o czar antidrogas da ONU, o sistema de compensações bancárias internacionais não quebrou, na crise, em razão do dinheiro movimentado pelo narcotráfico.
Nada fácil, portanto, contrastar o fenômeno com adequação e não privilegiar ações militarizadas inócuas, chamadas pelos brasileiros de “operações enxuga gelo”.
Nesse campo disputam, também, adeptos de políticas conservadoras e progressistas, que descambam para dissensos político-partidários. Tudo num Brasil em que os dois últimos presidentes, Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula naufragaram no enfrentamento do tema e em irresponsabilidades gritantes.
FHC e Lula foram iguais. E Lula, quando enfrentou FHC pela primeira vez, subscreveu, com intelectuais e políticos, um manifesto às Nações Unidas para se colocar fim à política criminalizante de péssimos resultados: já cansei de publicar e fazer referência à cópia do manifesto. Posição de proibição criminalizante foi defendida, na ONU, por FHC
Eleito presidente, Lula esqueceu do manifesto e executou a política norte-americana de guerra às drogas vitoriosa na ONU. Lula apenas tirou a pena de prisão por porte de droga para uso próprio, que, na sua visão de presidente, o  portador de drogas para uso pessoal é criminoso. O contrário ela achava, conforme expreso no supracitado manifesto enviado à ONU.
Com o mandato cumprido e na oposição, FHC assumiu a antiga posição de Lula e virou arauto de oposição às políticas conservadoras da ONU.
Apenas os idiotas não perceberam a troca de posições em decorrência do cargo de presidente.
A propósito, Lula manteve na secretaria nacional, criada por sugestão da ONU (Assembléia Extraordinária em face da questão drogas, em 1998) para contrastar o fenômeno das drogas proibidas pelas convenções, a mesma equipe de FHC. Frise-se, a mesma equipe e conduzida por um general do Exército, respeitado pelos profundos conhecimentos sobre “Objetos Voadores Não Identificados” (Óvnis).
Não bastasse, Lula implementou e regulamentou a lei de FHC sobre abate de aeronaves suspeitas de narcotráfico.
Na verdade, uma lei flagrantemente inconstitucional por estabelecer a pena de morte. Fora o atentado à lógica: com a perseguição e cooperação internacional se apreenderia a aeronave (com venda futura e valor recolhido aos cofres da União), o piloto seria capturado vivo e poderia se tornar um colaborador de Justiça, com delações.
Mais um dado: a chamada Lei do Abate decorreu de imposição norte-americana no governo FHC. Tratou-se de iniciativa imposta aos países andinos de cultivo de coca (Peru e Colômbia) e ao trânsito de drogas (Brasil). O autor do plano militar de abate de aeronaves foi o general Barry McCaffrey, então czar antidrogas da Casa Branca. McCaffrey era um general republicano adepto da War on Drugs (guerra às drogas) e mantido no governo do democrata Bill Clinton. Quanto a Lula, cedeu ao populismo e às Forças Armadas, interessadas na regulamentação da Lei do Abate.
Nem FHC nem Lula quiseram enfrentar com seriedade e resolver o problema sociossanitário decorrente do confinamento de dependentes químicos em áreas degradadas de centros urbanos. Na Cracolândia houve valorização imobiliária, e a iniciativa privada interessada em investir recebe benefícios fiscais. Em vez de pagar tributos, aplica-os em obras próprias.
O denominado Plano de Enfrentamento ao Crack e outras drogas ilícitas do governo Lula, lançado no início de 2010, fez água.
No governo FHC, os militares da sua assessoria e as agências norte-americanas de inteligência (DEA e CIA) que infestavam os gabinetes (até escuta ambiental para espionagem a CIA instalou no gabinete de FHC) torpedearam os projetos de políticas (incluída a Cracolândia paulistana) voltadas a reduções de danos-riscos e ao fim de confinamentos. Como os verificados no sistema penitenciário, ambos sem finalidade de recuperação e reinserção social.
Em 1999, relatei por escrito ao presidente FHC a experiência em Frankfurt (Alemanha) de 1994 e o texto, ampliado e atualizado, foi reproduzido, em 2004, no site do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (www.ibgf.org.br):
“Há quatro anos, no bairro Kings Cross, considerado a “boca do lixo” de Sydney (Austrália), foram implantadas as chamadas narcossalas. Os especialistas em redução de danos preferem denominá-las “salas-seguras”. As narcossalas estão instaladas no Medically Spervised Injecting Centre. Por dia, atendem 200 toxicodependentes. Sem as salas, como explica a médica responsável pelo programa, Ingrid Beek, os usuários estariam usando drogas pelas ruas, com risco de overdose, uso compartilhado de agulhas e seringas etc. E seringas e agulhas infectadas jogadas em locais impróprios causam acidentes a não usuários de drogas. Na Califórnia, usuários jogavam nas praias e, encobertas pela areia, feriram e contaminaram vários banhistas. Pelas avaliações da supracitada especialista, muitas cenas públicas constrangedoras foram evitadas. A dra. Ingrid refere-se, como mostrado pelos jornais da Espanha, a uma série de recentes fotografias, com imagens de drogados pelas ruas, com agulhas e seringas penduradas no pescoço e braços. E eles, pelas fotos, cruzavam com crianças que eram tomadas por susto e pavor.Nas salas-seguras o próprio usuário injeta a droga ou engole a droga, depois de receber drágea sem impurezas e seringa e agulha novas. Um médico acompanha cada aplicação e está pronto a orientar e atuar em socorro. nenhum caso de overdose ocorreu em quatro anos de programa.De maio de 2001 a dezembro de 2004 ocorreram 214 mil visitas e foram aplicadas, nas salas-seguras, 1.262 doses. O programa encaminhou 3.620 dependentes para tratamento, por iniciativa do próprio usuário. A avaliação positiva das narcossalas no bairro de Kings Cross foi do conceituado National Centre HIV Epidemiology Research. As estatísticas mostraram uma sensível redução de crimes. Além disso, caiu o número de mortes por drogas e de atendimentos de emergência por overdose e intoxicações. O número de contaminação por compartilhamento de seringa e agulhas caiu significativamente. Os riscos representados por seringas e agulhas largadas pelas ruas ou em local impróprio experimentou expressiva redução. Em resumo. Na cidade de Sydney os resultados justificam plenamente a adoção das salas-seguras e os resultados demonstram, mais uma vez, o desacerto dos conservadores críticos das políticas de redução de danos e de riscos- WFM”.
Com efeito, nos governos FHC e Lula foram perdidos 16 anos, enquanto o projeto de Frankfurt teve apoio financeiro das federações do comércio e da indústria e o número de dependes caiu pela metade em menos de ano. Mais ainda, acabou-se com o degradante confinamento. O programa está implantado em oito cidades alemãs de porte e em outros países e cidades europeias importantes. Como mencionado em postagens anteriores, a Suíça mudou a política de ambientes abertos para fechados e os EUA implementaram os centros para emprego de droga substitutiva para controle de crises de abstinência: metadona para dependentes de heroína.
Fora isso, o centro de acolhimento em Rimini (Itália), como atestado pela ONU, consegue recuperar 7 em 10 jovens: O centro San Patrignano não aceita verbas oficiais e obtém renda para manter os 1.600 acolhidos com os trabalhos lá desenvolvidos.
No cenário internacional, a Convenção de Palermo (ONU-2000) mostrou que o crime organizado atua em rede. São redes de abastecimentos e nos seus “nós” ficam, para “plugagem”, os varejistas.
Na Cracolândia paulistana, a Polícia Militar se ocupa com os varejistas. Até agora — a Cracolândia paulistana data de 1990 — as polícias paulistas não conseguiram identificar e prender os responsáveis pelo abastecimento.
A prevenção policial, como não cansa de ensinar a Europol (a polícia da Comunidade Europeia), deve evitar a formação das redes e, assim, cortar a oferta de drogas ilícitas. Quando a rede está instalada, a repressão deve atingir os operadores. Até porque os varejistas, caso presos, são substituídos de pronto.
No plano executado pela Polícia Militar na Cracolândia paulistana visa-se acabar com o confinamento e, como se viu pela determinação de ontem, a migração para bairros vizinhos. Isto quer dizer que os dependentes químicos só terão opção de se instalarem em áreas distantes. Percebe-se, assim, que o objetivo é simplesmente “limpar” o bairro central da Luz.
Na “limpeza” da Cracolândia e para evitar migração para bairros próximos, e um deles é de classe média alta (Higienópolis), colocou-se até um disque-denúncia.
Os deslocamentos impostos aos toxicodependentes integram a filosofia do torturante plano da dupla Alckmin-Kassab: dificultar a aquisição do crack e provocar crise de abstinência no usuário, que supostamente o levará a buscar assistência.
No que toca à assistência na área da Cracolândia, o complexo de apoio social (Complexo Prates) só ficará pronto na primeira semana de fevereiro: a operação na Cracolândia teve início em 3 de janeiro. O posto de assistência médica ambulatória (AMA) e o centro de auxílio psicossocial aos usuários de drogas proibidas e álcool (Caps) só estarão abertos em março.
Com o ritmo das ações policiais de expulsão de toxicodependentes da Cracolândia, não haverá tempo para os atendimentos na AMA, Caps e Complexo Prates. E o custo para as instalações e operações será elevado. Na AMA, a previsão é para 11 leitos, a mostrar a insuficiência (na Cracolândia, antes da operação, circulavam 1.600 usuários-dia e apenas 400 são residentes).
O governador Alckmin, segundo revelaram os jornais, está empolgado com os mais de 80% de aprovação às ações de expulsão policial antes das ações sociossanitárias. Vamos aguardar pelo plano de Dilma, lançado em dezembro de 2011 e com 4 bilhões de investimentos e prazo de três anos.
Pano rápido. Pelo jeito, a recente aliança do governador Alckmin com o político Paulo Maluf (contra ele pende mandado internacional de prisão por lavagem de dinheiro), já produz efeitos e a Rota está na Cracolândia.
Depois da parceria Alckmin-Maluf-Rota, o prefeito Kassab deve estar à procura do capitão Nascimento.
Wálter Fanganiello Maierovitch no Terra Magazine

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