Fernando Hadadd, candidato petista à prefeitura de São Paulo, critica a forma (o viés mais policial do que de saúde pública) com que o Governo do Estado vem tratando a questão da Cracolândia. De seu lado, os quatro pré-candidatos do PSDB defendem a ação policial.
Na sua edição deste domingo (15-01), a Folha de S. Paulo aborda a assunto com uma interrogação : Quem ganha eleitoralmente com esse debate? Em anexo, o articulista Gilberto Dimenstein faz a mesma pergunta.
A matéria e a pergunta do jornalão paulista apenas revelam sua indigência jornalística e seu caráter falto, bem como sua hipócrita tentativa de parecer isento. Eleitoralmente falando, quanto valem alguns cadáveres ou o inaudito sofrimento humano?
O jornalismo brasileiro transformou-se nessa coisa animalescamente burguesa e insensível. Objetiva e podre. As vítimas da violência policial e da desgraça social são abstraídas ou tratadas como meros detalhes.
Para não deixar a pergunta sem resposta, direi que, do ponto de vista eleitoral, ganham os tucanos. E ganham porque eles interpretam um sentimento generalizado de uma parte assustadoramente crescente da burguesia brasileira desde seus estratos superiores até os mais baixos, recém integrados à sociedade de consumo. Sentimento que se expressa de forma bem visível na Capital paulista, mais, talvez, do que na média das demais capitais.
É um sentimento francamente fascista que o Serra soube aproveitar bem na campanha presidencial de 2010. Pode-se dizer também que há ai uma abordagem fascista que historicamente conduz à ”Solução Final” nazista.
A opinião de alguns comerciantes e de moradores mais bem instalados, de ruas e bairros adjacentes à Cracolândia, ilustra bem essa forma de sentir as coisas da vida. Um comerciante queixa-se: “Depois que eles apareceram (os viciados em crack) minhas vendas caíram em 40%” E diz um morador: “ Para entrar na minha casa tenho que passar sobre um monte de viciados”. Há ainda quem reclame da desvalorização de seus imóveis.
É evidente que o comerciante tem direito ao lucro o morador ao acesso desimpedido à sua casa. Entretanto o que os torna burgueses brutalmente insensíveis e alienados é o fato de eles só verem um lado da questão e tratarem os dependentes do crack como um lixo a ser removido.
A remoção do lixo
Poderia dizer que praticamos, desde sempre, uma política de higienização das cidades, para conforto dos moradores mais bem sucedidos e valorização de seus imóveis. O paradigma desse tipo de política foi o governo de Carlos Lacerda no início nos anos 60 do século passado, no Rio. Ele promoveu a remoção pura e simples de favelas populosas (e seu entulho humano) incrustadas em valorizados bairros da Zona Sul. A chacina de mendigos também marcou essa época.
Só nas últimas duas décadas os governos foram assumindo, timidamente, a noção de que as favelas devem ser urbanizadas e integradas, mas sua população ainda é tratada como um inconveniente agrupamento de pobres sobrantes.
Entretanto a questão de fundo permanece: desde os primórdios da produção capitalista que conviveu de forma harmoniosa e interativa com a ética puritana, os pobre sobrantes (que eram muitos) foram tratados de forma hipócrita e utilitarista.
Nesta época, como Marx descreve com detalhes no Livro I de O Capital, crianças de oito anos eram internadas em fábricas-reformatórios e obrigadas a trabalhar até 14 horas por dia. A argumentação dos piedosos puritanos era a de que se ficassem nas ruas ou em seus ”lares pobres e promíscuos” elas cairiam no vício e na prostituição. Só cinqüenta anos mais tarde, o Parlamento Inglês aprovou lei proibindo o trabalho para menores de 14 anos.
Tudo isso para dizer que a mentalidade fascista e nazista, bem como essa calhorda insensibilidade humana da sociedade de consumo, não são invenção dos Hitlers e Mussolinis da vida. São aspectos inerentes ao modo de produção capitalista que só realiza sua acumulação (sua reprodução ampliada), contrariando os elementares interesses da humanidade e destruindo (já agora de forma ciclópica) a Natureza.
Haddad vai perder alguns, talvez muitos, votos nesse debate com os tucanos. Mas haverá, talvez, o resgate de algumas idéias e sentimentos generosos, em meio ao sufocante pragmatismo da sociedade de consumo e sua mídia servil e corrupta.
por Chico Barreira em seu blog
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