Pesquisando o site do Museu da Imigração, que
finalmente digitalizou parte de seu acervo, encontrei um periódico,
que circulou em São Paulo de finais do século XIX à metade do século XX, com alguns períodos de
interrupção, o “Diário Español”.
Já havia pesquisado periódicos de imigrantes espanhóis
em São Paulo , por conta de minha dissertação de
mestrado, sobre a imigração espanhola em São
Paulo.
Os jornalistas da coletividade espanhola em São Paulo dessa
época, tinham o ofício de tipógrafos, muitos
trabalhavam na imprensa paulista e paralelamente editavam jornais no
idioma espanhol, dirigidos aos imigrantes radicados em São
Paulo, uma imprensa alternativa .
José Eiras Garcia, tipógrafo e militante pelas causas
de seus compatriotas que estavam trabalhando em sistema de
semi-escravidão nas fazendas de café, denunciava em seu
jornal “Diário Español”, injustiças
cometidas por fazendeiros e o abandono desses imigrantes por parte
das autoridades consulares da Espanha.
Por conta dessas denúncias, sofreu por parte de autoridades
diplomáticas espanholas, uma campanha de difamação
e um processo da imprensa brasileira por ter defendido em seu jornal
a vários espanhóis radicados no interior de São
Paulo. Mesmo sem ter encontrado o nome do jornal que processou Eiras
Garcia, tenho certeza que foi O Estado de São Paulo, já
que era , “A voz dos cafeicultores Paulistas”.
Num dos números do “Diário Español”,
digitalizado pelo Museu da Imigração encontrei o
seguinte editorial:
“La Prensa Paulista y la Revolución”
O
editorialista declara que, na condição de estrangeiro
tinha que manter a neutralidade em relação à
situação vivida em São Paulo.
A situação a que se refere o editorial era a revolta
paulista de 1924 :
“...No
dia 5 de julho de 1924, tropas de São Paulo tentaram promover
um movimento de caráter nacional que deveria tomar conta de
outras importantes cidades do país. Entretanto, a rebelião
liderada por Isidoro Dias Lopes conseguiu acender outros focos
somente em Mato Grosso, Amazonas, Pará, Sergipe e Rio Grande
do Sul. No estado paulista, a ação tenentista conseguiu
tomar pontos estratégicos da capital e atacar o Palácio
dos Campos Elíseos, sede do governo estadual. http://www.brasilescola.com/historiab/revolta-paulista-1924.htm
Continua
o editorial:
Mas
a imprensa brasileira, principalmente nossos colegas de São
Paulo não só podem como devem manifestar suas opiniões,
seus pontos de vista sobre os atuais acontecimentos. Em uma palavra,
marcar uma linha de conduta e segui-la com dignidade e honradez
cidadã.
Hoje
a imprensa paulista se apresenta como um simples boletim de notícias,
que mais do que notícias são rumores, sem um
comentário, sem um artigo, que julgamos vergonhosa para a
atuação profissional.
Os
jornais de São Paulo não tem opinião sobre os
graves acontecimentos pelos quais o seu país passa e isto não
é digno.
Que
os periódicos manifestem suas opiniões e tragam à
luz o sentir do povo é, sem dúvida, um bem para a
Nação. (traduzido do espanhol)
Para ler o original :http://www.museudaimigracao.org.br/acervodigital/upload/jornais/DE19240723.pdf
Parece-nos
que estamos vivendo um episódio semelhante no caso do ensurdecedor
silêncio da imprensa brasileira sobre os fatos que dominaram
as redes sociais na última semana:
o livro bomba do jornalista
Amaury Ribeiro Jr., “A Privataria Tucana” e a CPI das
Privatizações, encabeçada pelo deputado
Protógenes Queiroz.
Não
fosse a blogsfera, o Twitter e as redes sociais, o livro passaria em
brancas nuvens e as assinaturas para o pedido da CPI, talvez não
chegassem a meia duzia.
Porém, não podemos nos
contentar com essa importante vitória para a cidadania.
O poder da mídia grande é, ainda,
imenso frente ao ruído que a mídia alternativa possa
fazer, assim como José Eiras Garcia com seu periódico alternativo, atingia a um público
bem específico, as mídias alternativas atingem, ainda,
apenas os que pensam como ela.
1 comentário
Que maravilha, que lindo esse resgate da memória da imigração paulista! E que feio, hein, Estadão?????
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