26 de novembro de 2011

Palmerio Dória: "A bolinha se tornou mais importante que o Papa"



“Esta eleição parece um túnel de trem-fantasma para a Dilma. A cada curva era uma cilada, uma armadilha, uma rasteira” | Foto: Arquivo Pessoal / Twitter
Felipe Prestes no Sul 21
Uma bolinha de papel bate na cabeça de um presidenciável e o leva para o hospital. Depois, um telejornal diz que a bolinha não foi a causa do ferimento. Outro objeto teria atingido o candidato. As câmeras mostram. Um perito atesta. Na internet, blogueiros separam o vídeo frame a frame e dizem que não se enxerga objeto nenhum. Uma singela bolinha de papel teria mesmo motivado uma tomografia em José Serra. “A bolinha se tornou mais importante que o Papa. A grande personagem das eleições foi a bolinha”, afirma o jornalista Palmério Dória.
O episódio da bolinha de papel é o ponto de partida para a narrativa de Crime de Imprensa – o retrato de uma imprensa murdoquizada, lançamento de Dória e de Mylton Severiano, ambos jornalistas da velha guarda, com passagem por diversos veículos tanto da imprensa nanica, quanto pelos veículos das famílias que dominam a comunicação no pais. É sobre a cobertura destes últimos nas eleições de 2010 que trata o livro. “Esta eleição parece um túnel de trem-fantasma para a Dilma. A cada curva era uma cilada, uma armadilha, uma rasteira. Ela era seqüestradora, bandida, laranja, poste, ela era tudo”, conta Palmério.
A dupla não espera qualquer resenha nos jornais, mas espera, sim, que o livro seja bem vendido. Os dois já fizeram junto Honoráveis Bandidos, que conta a saga de José Sarney, e vendeu cerca de cem mil exemplares, mesmo com pouquíssima divulgação na grande imprensa. “O livro do Sarney também fala das relações da grande imprensa. Todos os grandes irmãos tinham ótimas relações com o Sarney, ele era, inclusive, colunista da Folha de São Paulo. É muito recente o rompimento dos grandes irmãos com o Sarney”, ressalta Palmério.
Sem papas na língua, o jornalista conversou por telefone com o Sul21 e não poupou nem o vice-presidente da República, Michel Temer. Ele revelou que é processado por diversas pessoas – entre elas, o ex-ministro da Agricultura, Wagner Rossi – e que já nem se defende mais na Justiça. “Não quero nem ser defendido. Abri mão de advogado, porque quero que me prendam. Eu sou fora da lei. Esses caras vão me prender? Agora eu quero ver”.
Nesta sexta-feira (25), o Crime de Imprensa foi lançado em uma banca da Avenida Paulista. A obra está apenas em bancas de São Paulo e também pode ser adquirida pela internet.
“Eu falo da imprensa que perdeu a eleição. Da imprensa que torce para que a crise internacional chegue ao Brasil”
Sul21 – O título do livro é Crime de Imprensa. A imprensa brasileira é criminosa? Por quê?
Palmério Dória – Eu falo da imprensa que perdeu a eleição. Da imprensa que torce para que a crise internacional chegue ao Brasil para jogar uma água fria na Dilma, e no Lula também. É uma imprensa que sabe que pode perder também em 2014 e está desesperada. Eu falo, na verdade, das quatro grandes famílias. Ela (imprensa) é criminosa, no final das contas, porque vem manipulando os prezados leitores e espectadores há décadas.

"Em 2002, O Estado de S. Paulo noticiou uma ida, que não houve, do Serra ao Tocantins. Ele sendo recebido em festa pelo prefeito, quando na verdade estava em São Paulo, no estúdio, gravando" | Foto: Giovanni Bello/UFSC
Sul21 – Quais são as quatro famílias?
Palmério Dória – Estamos falando dos grandes irmãos: os Civita, os Marinho, os Frias e nos meninos daí, filhotes menores, os Sirotsky, que se espalham aí no Sul Maravilha. São basicamente esses.
Sul21 – Os Mesquita foram poupados no livro?
Palmério Dória – Os Mesquita são uma família nascida para perder. Na única vez em que eles apoiaram o Getúlio, ele perdeu, na eleição antes da Revolução (de 30). Eles são pé-frios. A última que eles perderam foi agora. Apostaram brabo no Serra. Eles vêm perdendo todas. Quando apostaram, por exemplo, na Revolução (de 64), conspirando para o golpe, na sequência eles perderam. A ditadura é obra da Família Mesquita.
Sul21 – Mas o livro tem foco na cobertura da grande imprensa às eleições de 2010. O que levou você e o Mylton a escreverem um livro sobre isto?
Palmério Dória – Como sempre, o óbvio. Ninguém vai atrás do óbvio. Você fica pensando: “Todo mundo vai escrever um livro sobre as eleições de 2010”. E a regra é: ninguém faz o óbvio. Este é o primeiro livro sobre as eleições de 2010.
Sul21 – O que esta eleição e sua cobertura tiveram de especial?
Palmério Dória – É um comportamento padrão. A gente sabia que renderia um grande assunto, que os pequenos e grandes golpes aconteceriam. É inevitável. Aconteceram nas outras eleições presidenciais, por que não aconteceriam nesta? Em 2002, O Estado de São Paulo noticiou uma ida, que não houve, do Serra ao Tocantins. Ele sendo recebido em festa pelo prefeito, com o povo na rua, quando na verdade estava em São Paulo, no estúdio, gravando. Então, eles são capazes de tudo. Evidente que o filme iria se repetir em 2010.
“No caso deles (imprensa), o crime não compensa. Eles perderam. E vão perder de novo na próxima eleição”
Sul21 – Mas a eleição de 2010 teve alguns episódios peculiares. Quais vocês destacam no livro?
Palmério Dória – O episódio da bolinha realmente eu nunca vi… A bolinha se tornou mais importante que o Papa, que as grandes corporações, que a própria imprensa. A grande personagem das eleições foi a bolinha. A narrativa parte deste episódio da bolinha e vai em frente. Esta eleição parece um túnel de trem-fantasma para a Dilma. A cada curva era uma cilada, uma armadilha, uma rasteira. Ela era seqüestradora, bandida, laranja, poste, ela era tudo. Mas eu destacaria o episódio da bolinha como o mais espetacular. Foi onde ficou configurada esta manipulação toda, com o perito Molina na Globo falando do evento bolinha, do evento fita crepe, tentando transformar o episódio da bolinha em um atentado.
Sul21 – O perito (Ricardo) Molina comenta de tudo. Ele entra no livro de forma mais detalhada?
Palmério Dória – Claro que entra. Ele se presta para qualquer papel. Ele não tem noção do ridículo. O ridículo da vida para ele é pouco, ele entra em qualquer cascata. Está aí para o que der e vier. Mas também tem médicos, um cirurgião, gente que trabalhou para o Cesar Maia. O médico que fez a tomografia que ninguém viu até agora.

Palmério Dória diz que a grande imprensa perdeu muito com a derrota de José Serra: "imagine os negócios que eles iam fazer" | Foto: Giovanni Bello/UFSC
Sul21 – O livro, segundo você disse, fala da imprensa que perdeu. Pode se dizer então que o crime não compensa?
Palmério Dória – Você vê, por exemplo, este caso da Chevron. A gente vê como a imprensa não está cobrindo este episódio. Eles têm helicópteros, eles cobrem ocupação da Rocinha. Não fazem esta história da Chevron-Texaco, que vai enlamear o litoral carioca e paulista neste verão, vai matar a fauna marinha e tudo mais. Eles não fazem porque a Chevron é a patroa, e é a patroa do Serra. Está nos documentos do Wikileaks que o Serra disse que ia rever o pré-sal se ganhasse. No caso deles, o crime não compensa. Eles perderam. E vão perder de novo na próxima eleição. Como diz o Mino Carta na epígrafe do livro: na maioria dos casos a mídia, hoje em dia, é ponta de lança para grandes negócios. Neste sentido, eles perderam mais ainda. Imagine os negócios que eles iam fazer a partir de Serra no poder?
“Este livro não trata de corrupção, mas da maneira como a imprensa cobre a corrupção”
Sul21 – Como você está vendo estas quedas sucessivas de ministros, que às vezes até parece uma jogada ensaiada entre Dilma e Veja e outros veículos?
Palmério Dória – Um cineasta aí do Sul disse que estava para ver um movimento destes de direita, uma ditadura que não tenha se implantado em nome do combate à corrupção. Eu também estou para ver. Este livro não trata de corrupção, mas da maneira como a imprensa cobre a corrupção. Eu gostaria que a imprensa agora colocasse 1% de seu exército para cobrir os roubos no metrô paulistanos. Todas as linhas são superfaturadas. Neste momento o escândalo é da linha lilás. Se a imprensa usasse este poder de fogo permanente para cercar as malfeitorias tucanas não restaria nada. Se essa mídia usasse seu esforço, digamos, para levantar a vida de um Tasso Jereissati, que tem uma holding chamada Ceará, ele é dono do Ceará. Se ela levantasse agora a vida, os negócios secretos, de Aécio e de sua irmãzinha Andréa por trás de uma rádio chamada Arco-Íris. Quem banca os carros de luxo e os jatinhos de Aécio Neves? Eu não vejo este interesse da imprensa em bombardear diariamente. E não há quem segure um fogo cruzado destes. Não livramos a cara de ninguém, até porque não tenho vínculo partidário nenhum. O único sufixo “ista” que se aplica para mim e para o Mylton é jornalista. O que a gente discute é o instituto de dois pesos e duas medidas.
Sul21 – Mas como você vê a relação entre Dilma e a imprensa passada a eleição?
Palmério Dória – Eles apostavam que ela não iria segurar os fisiológicos do PMDB. Ela segurou, os fisiológicos estão ali quietinhos. Nestas crises sucessivas, eles apostaram o tempo todo em revoltas das bancadas, na quebra da governabilidade – incentivando até. Esta governabilidade quando foi exercida pelo FHC não era tão contestada. Então, ela está administrando muito bem. Está no fio da navalha, mas administrando muito bem esta questão.
Sul21 – O livro fala em imprensa “murdoquizada”. No que as práticas da grande imprensa brasileira se assemelham às dos veículos de Murdoch?
Palmério Dória – A gente viu outro dia um repórter da Veja invadir o hotel em que estava José Dirceu, tentar invadir o quarto dele, instalar câmeras. Todos os métodos que o bilionário australiano que domina a imprensa nos EUA e na Inglaterra usou. O que você acha do grampo sem áudio que a Veja montou naquela operação, que desarticulou todo o esquema anticorrupção da Polícia Federal?
Sul21 – Que ocasião foi esta?
Palmério Dória – Foi o grampo que originou a queda do (Paulo) Lacerda e de todo um grupo de inteligência (à frente da ABIN, Lacerda teria grampeado o ministro do STF. O áudio nunca apareceu). Aquilo desarticulou completamente todo um trabalho que vinha sendo feito contra a corrupção. Eles não estão interessados em combater a corrupção, estão interessados em derrubar governos. Enfim, são dois exemplos. Podemos citar uma série de outros. Mas assim age o Murdoch lá e age esta imprensa, estes grandes irmãos, aqui.
“O que este menino fez no caso do José Dirceu é o trabalho sujo. Hoje em dia, esses meninos entram alegremente nesse tipo de coisa”
Sul21 – O que escreve Lima Barreto sobre a imprensa da época dele e que vale tanto para o nosso tempo que acabou sendo publicado em Crime de Imprensa?
Palmério Dória – É um texto de Recordações do Escrivão Isaias Caminha. Ele começa assim: “A imprensa, que quadrilha. Fiquem sabendo vocês que se o Barba Roxa ressuscitasse agora, com os nossos velozes cruzadores e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão a sua plena atividade se se fizesse jornalista”. Ele pega na verdade as grandes famílias da época, que há cem anos já dominavam a imprensa. Hoje em dia, temos pelo menos uma esperança: a internet.
Sul21 – A internet ajudou muito…
Palmério Dória – Os dois lados. Aquela campanha das trevas, do aborto, foi incentivada pela internet. Mas a internet também foi decisiva para a vitória da Dilma. As forças obscuras, que levaram o aborto para o centro da discussão política, ganharam no primeiro turno. As pessoas falam da queda da Erenice. O próprio João Santana veio com esta lorota de que foi a Erenice que garantiu o 2º turno. Não foi, não. Foram o aborto, os valores; foi Dom Luiz Gonzaga, o Torquemada de Guarulhos; o TFP, a Opus Dei. Depois, a internet, que é uma gráfica que você tem hoje em sua casa, de certa maneira ajudou a Dilma a ganhar.

Jornalista lamenta o que é feito com jovens repórteres nas redações de hoje em dia: "jogam a garotada para se cobrir de cagalhões. Não se faz isto com garoto" | Foto: Jair Bertolucci/TV Cultura
Sul21 – Você o Mylton Severiano são jornalistas experientes. A gente tem impressão às vezes que o jornalista atualmente é mais subserviente aos interesses do patrão. É verdade ou é só impressão?
Palmério Dória – O que este menino fez no caso do José Dirceu é o trabalho sujo. Nós tínhamos outrora nas grandes redações pessoas especializadas neste papel. A gente sabia: “Fulano de Tal”. Hoje em dia, estes meninos entram alegremente neste tipo de coisa. Tínhamos até certa ternura por quem metia a mão na merda, coisa que nós não teríamos coragem de fazer. Esta garotada faz alegremente isto. Por exemplo: meninos que saem destes cursos de trainee e vão direto fazer uma capa na própria Veja demonizando o MST.
Sul21 – É como se fosse um batismo de fogo?
Palmério Dória – É um batismo de fogo. Jogam a garotada para se cobrir de cagalhões. Não se faz isto com garoto. Precisa respeitar no mínimo a garotada. Então, a meninada vai achando que vai crescer bonito e topa qualquer parada.
Sul21 – O bloco de esquerda que hoje está no governo federal não teme demais a imprensa ao não enfrentar, por exemplo, o monopólio das comunicações, que a Constituição não permite?
Palmério Dória – Evidente que sim. O Lula se pela de medo. A Dilma se pela de medo. Eles não aprendem. São incapazes de fazer aqui o que a Cristina Kirchner está fazendo. Está encarando esses caras, mandando o cacete. Aqui, participam de todas as solenidades, aniversário da Folha e tudo o mais. E a Dilma ainda recebe uma cacetada da Danuza Leão porque se retirou antes de terminar o concerto. Mas de qualquer maneira, vão, rendem homenagens e não tomam nenhuma medida para uma palavra bem simples: democratização da mídia, que é a única saída para isto que a gente está conversando.
Sul21 – Como você escreveu também Honoráveis Bandidos, vou fazer uma provocação: o governo tem mais medo da imprensa ou do Sarney?
Palmério Dória – Está diminuindo. Você veja que o Sarney não foi à solenidade da Comissão da Verdade. É um bom sinal. Quem me chamou atenção para este detalhe foi o Luiz Claudio Cunha, que escreveu uma das melhores coisas que eu li nos últimos tempos. O nosso projeto é o mesmo: fazer farinha destes caras, que nem broa. O livro do Sarney também fala das relações da grande imprensa. Todos os grandes irmãos tinham ótimas relações com o Sarney, ele era, inclusive, colunista da Folha de São Paulo. É muito recente o rompimento dos grandes irmãos com o Sarney. Eles adorariam e sabem que o Sarney estaria do lado do Serra, como esteve com todos os governos.
Sul21 – O Ministério de Minas e Energia ninguém tira dele.
Palmério Dória – Em um eventual Governo Serra estaria nas mãos do mesmo Lobão, que era um rato da ditadura. Imagine se, dentro de um projeto de direita, o Sarney não estaria, se o Lobão não estaria. São sapões que têm que ser engolidos e estão sendo engolidos.
“Abri mão de advogado, porque quero que me prendam. Eu sou fora da lei. Esses caras vão me prender?”
Sul21 – Existe a possibilidade política de um governo romper com Sarney ou ainda é inviável para qualquer presidente?
Palmério Dória – Tem se provado que é inviável. Está dito em Honoráveis Bandidos que sem o apoio dele cai o sistema. Esta quadrilha está lá em Honoráveis Bandidos: Michel Temer, Wagner Rossi – que abriu um processo contra mim no valor de R$ 600 mil – o Eduardo Cunha, esses bandidos todos estão lá. E está dito também que a imprensa compactuava com o Sarney. Por isto este livro não teve nenhuma resenha. O papel desta imprensa criminosa já estava contado.

Palmério Dória diz que abriu mão de advogado nos processos contra ele: "o que é que eu vou fazer? Vou à falência para me defender?" | Foto: Arquivo Pessoal / Twitter
Sul21 – Como está transcorrendo este processo de Rossi contra você?
Palmério Dória – Não tenho a menor ideia, vou lhe explicar por que. Não tenho no c… o que periquito voa. Eles podem pedir R$ 1 milhão. Não quero nem ser defendido, abri mão de advogado, porque quero que me prendam. Eu sou fora da lei. Esses caras vão me prender? Agora eu quero ver. Tem uma série de processos dos quais abri mão. Tem o filho do Mario Covas, o Zuzinha; tem a viúva do Dante de Oliveira, que se associou com o crime organizado no Mato Grosso; tem juiz. O que é que eu vou fazer? Vou à falência para me defender? Eles quebram você economicamente jogando esses processos para Brasília, para São Luis, não sei para onde.
Sul21 – As editoras tiveram um pouco de medo de publicar Crime de Imprensa.
Palmério Dória – Não tiveram um pouco de medo, fugiram de mim como o diabo da cruz. Nós estávamos a ponto de publicar este livro virtualmente, porque ninguém topava. Todo mundo saiu da área. Alguns não quiseram conversa, outros sentaram para conversar. Amigos fugiram porque tinham contratos com o governo e se tivessem um processo iam se estrepar. Isto faz parte do jogo. Mas encontramos o pessoal da Plena Editorial que encarou. O livro não está nas livrarias, porque seria inviável economicamente. Será lançado em uma banca de jornal em plena Avenida Paulista.
Sul21 – O plano é não ter nas livrarias?
Palmério Dória – O plano é ter em livrarias. Mas, por exemplo, divulgação zero. A gente diz no final do livro: “Leia Crime de Imprensa, um livro sobre o qual você não verá nenhuma resenha nem menção alguma na grande mídia”. Mas não é reclamando, não. A gente sabe que Honoráveis Bandidos, um livro de jornalismo político e história do Brasil, ficou 35 semanas entre os mais vendidos, apesar deles. E eles não podiam deixar de dar nas suas listas de mais vendidos.


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