5 de novembro de 2011

Fanny Edelman: a resistência contra o fascismo na Espanha


A lendária dirigente comunista argentina Fanny Edelman deixou de viver neste 1º de novembro. Nascida em 27 de fevereiro de 1911, tinha completado cem anos. Foi uma mulher que viveu intensamente seu tempo, os problemas do século 20 e a luta pelo socialismo e pela democracia, registrados no livro de memória “Bandera, Pasiones, Camaradas” (Buenos Aires, 1996). Sua militância comunista, contra a opressão da mulher, pela paz, transformou Fanny num símbolo da luta em nosso continente.


Fanny em 1937
Fanny em 1937
Foi voluntária do Socorro Vermelho na Espanha, durante a Guerra Civil anti-fascista e, para homenagear sua memória, Vermelho destaca, neste relato autobiográfico, o registro que ela deixou da intensa atividade de solidariedade antifascista ocorrida na Argentina, na década de 1930, na qual Fanny teve papel de destaque. Fanny Edelman, presente!
 
"Por iniciativa dos comunistas e antifascistas de numerosos países foi formado um Comité Internacional de Coordenação da ajuda para a Espanha e uma Confederação Internacional de Solidariedade com as mulheres e as crianças. 

Por Fanny Edelman

Em nosso país [na Argentina – NR] a solidariedade de nosso povo fluiu como uma torrente inesgotável, que nosso Partido encabeçou, alentou, impulsionou e contribui para organizar. Poucos dias depois da insurreição [Refere-se à rebelião militar fascista, contra a República Espanhola, iniciada em julho de 1936; foi o inicio da Guerra Civil Espanhola – NR] foi formado o Comitê de ajuda ao Governo da Frente Popular. Um dos fundadores foi o Centro Espanhol de Ajuda às Vítimas Antifascistas (em espanhol Patronato Español de Ayuda a las Víctimas Antifascistas, PEAVA) cuja criação foi motivada pela brutal repressão aos mineiros de Astúrias e que realizou um grande trabalho solidário durante todo o chamado “biênio negro” durante o qual a reação deteve o poder na Espanha.

Nos primeiros meses de 1936 apareceu o semanário “La Voz de España” que logo adotou o nome de “La Nueva España”. Seu dirigente foi o companheiro Renato Arnould, que exercia a Secretaria do Sindicato Único de Trabalhadores do Espetáculo Público e que acabava de sair da sinistra Seção Especial [da polícia – NR] contra o comunismo. Antes, como Secretário Geral do Sindicato Operário Gastronômico, encabeçou uma greve não só por razões salariais, mas também para obter o descanso semanal remunerado que os patrões não aceitavam.

Em minhas conversas com Renato, sempre acompanhadas por sua esposa Paulina, recordávamos o trabalho realizado por toda a equipe do periódico, cujo diretor, Ricardo Setaro, foi um dos brilhantes jornalistas da plêiade com que contava o diário de Natalio Botana “Crítica”, cujas páginas estiveram a serviço da República Espanhola. 

Entre outros redatores de “Crítica” se encontravam Héctor Agosti, Ernesto Giudice, Raúl Gonzáles Tuñon, Paulino Gonzalez Alberdi.

Alberto Foradori nos enviou uma nota recordando uma tarde de 1938 quando subiu pelas escadas de Pedras 80, sede do Comitê de ajuda ao Governo da Frente Popular e também da redação de “La Nueva España”. Aquela subida, recordava Foradori, foi um dos feitos fundamentais que assinalaram sua vida... “e agora através de tantos anos, alegro-me de que assim tenha ocorrido” nos escreveu pouto tempo antes de morrer.

“La Nueva España” era sempre editada em condições difíceis, mas a ajuda era tão importante que superava todas as dificuldades impostas pela precária legalidade em que se vivia.

Espetáculos musicais, corridas de bicicletas, partidas de futebol, com os melhores jogadores da época, eram realizados em benefício da República Espanhola. A ilha “Los Pinos”, no rio Carapachay, se converteu em permanente receptora de piqueniques aos quais compareciam milhares de trabalhadores, sendo fonte permanente de recursos para manter o periódico. “La Nueva España”, inicialmente semanário e depois bimensal, chegou a ter uma tiragem de 60.000 exemplares por edição, tendo um papel transcendental no movimento solidário. 

Foi publicado até o fim da guerra e depois se transformou em “LA Defensa”, órgão popular antifascista cuja vida foi curta. 

Dezenas de atos foram realizados em Luna Park, com a participação de prestigiosos artistas como Fernando Ochoa e Liberdad Lamarque. O jornal organizou uma seção de cinema com filmes republicanos que eram exibidos em todo o país. 

Magin Márquez nos recordava disso há um par de anos. Vivíamos sob o governo fraudulento do General Justo, caracterizado por uma grande instabilidade institucional num ambiente social marcado por greves, repressão policial, deportações de operários, submissão ao imperialismo inglês através do Tratado Roca-Ruciman, investigações nos frigoríficos e do assassinato do senador Bordabehere em pleno recinto do Senado da Nação.

Apesar dessa situação, a ajuda para a Espanha republicana emergiu com uma força esmagadora e Márquez, quando o movimento cresceu e se constituiu a Federação de Organismos de Ajuda à República Espanhola (FOARE, de cuja seção Capital foi secretário), percorreu o país com um companheiro espanhol apelidado Esquerra, que manejava um projetor portátil e exibia o filme “Coração de Espanha”. Até nos vilarejos menores despertava enorme interesse poder ver e “escutar” pois o filme era sonoro e falado.

O filme era interrompido na metade e então Márquez se dirigia ao píblico, explicava as causas da guerra e convocava a formação de comitês de ajuda. Desta forma, se avançava com o desenvolvimento de uma enorme rede de solidariedade.

Pedrito Grosso, nosso tão querido Pedrito, teve um grande papel no movimento de solidariedade. Dedicou todas suas energias, sua capacidade organizativa, sua devoção à Espanha, no desenvolvimento dos 212 Comitês locais que um mês depois da sublevação fascista haviam sido criados San Julián e Rio Gallegos até Salta e Jujuy. Comitês integrados por diferentes setores políticos e sociais, apesar da pouco favorável atitude dos dirigentes do Partido Socialista e da adesão formal da direção reformista da CGT.

A coletividade espanhola e seus diferentes agrupamentos regionais, entre elas a Federação das Sociedade Galegas, o Comitê Asturiano, a Comissão Valenciana, o Casal de Catalunha, e outras, o Centro Italiano de Ajuda às vítimas do fascismo (PIAVA) representado pelo camarada Baiocco, que foi um dos organizadores do transferência para a Espanha de dezenas de companheiros em condições de absoluta ilegalidade, para incorporarem-se às Brigadas Internacionais, mobilizaram todos seus integrantes. As diferentes coletividades estrangeiras, homens e mulheres de toda condição social, personalidades políticas como Lisandro Torres, destacados intelectuais como o doutor Gregório Bermann, que também esteve na Espanha, jovens e crianças, deram vida a um movimento jamais conhecido no país, que, unificado na Federação de Organizações de Ajuda à República Espanhola formada em agosto de 1937, permitiu unir praticamente a ação de todo o movimento de solidariedade, ao qual nosso Partido dedicou o esforço de toda sua militância. 

Os anarquistas também deram sua solidariedade à Espanha leal, assim como outras organizações republicanas.

Nesses anos foram desenvolvidas as iniciativas mais diversas e criativas. A campanha de rações para os combatente foi uma das primeiras iniciativas. Tabaco para a frente de batalha, lápis e cadernos para as Milícias da Cultura e para os estudantes, enquanto se teciam dezenas de milhares de luvas e meias para as campanhas de inverno destinada às frente de batalha. Era impressionante a acolhida que tinha cada uma dessas campanhas. A adesão popular, os comitês de apoio em todo o país, transformaram em verdadeiras fortalezas antifascistas até os menores vilarejos. Lembro-me da decisão dos camponeses pobres de Coronel Dorrego, de enviar trigo para a Espanha, que se transformou em uma ação compartilhada por todo o povo. No Chaco foi impressionante a coleta de algodão. E assim como estar surgiram em toda parte todo tipo de iniciativas.

Em março de 1937 formamos o Comitê Argentino de Mulheres Pro Órfãos Espanhóis (CAMHE). Foi a primeira organização feminina de massas que se incorporou ao cenário político do país e que em muito pouco tempo contava com 150 subcomitês que desenvolveram um trabalho formidável. Muitas daquelas mulheres com quem compartilhamos jornadas plenas de fervor, de ação ininterrupta, vieram em seguida para as fileiras de nosso Partido. 

Inesquecível a campanha de enxovais brancos e azuis para os recém nascidos . Trabalho cheio de amor e de ternura por milhares de mulheres, cada uma responsável por uma peça de enxoval, cuja exposição fizemos no Conselho Deliberativo com a presença do embaixador da República Dr. Angel Osorio y Gallardo, militante católico que teve um comportamento exemplar, estimulando permanentemente a ação solidária e que, em sua chegada ao país, foi recebido por milhares de pessoas que o acompanhou deste o porto até a sede da Embaixada.

Confeccionamos cinco mil enxovais que enviamos para Barcelona, para o Comitê Antifascista de Mulheres e foi Pasionaria [a lendária dirigente comunista espanhola Isidora Dolores Ibárruri Gómez, conhecida como La Pasionaria – NR] quem iniciou sua distribuição para as maternidades.

Os subcomitês do CAMHE , cuja secretaria adjunta exerci, dedicaram muito trabalho para a coleta de roupas que as hábeis mãos das mulheres convertiam em peças de enxoval para os bebês.

Enorme trabalho foi realizado ela Junta Argentina Médica de Ajuda Sanitária, integrada por médicos, farmacêuticos, bioquímicos, enfermeiros, que em laboratórios organizados por eles mesmos, prepararam medicamentos para a República. A campanha pelo envio e ambulâncias para a frente de batalha, outra grande iniciativa, teve sua primeira expressão concreta no ato de 1º de maio de 1937, cuja consigna central foi a solidariedade com a Espanha. Em um ato com enorme repercussão participação popular, impressionante, realizado na Plaza San Martin, desfilaram as ambulâncias com as equipes médicas e paramédicas que iriam e embarcar pouco tempo depois.

A primeira ambulância que percorreu as ruas de Buenos Aires, apesar da política repressiva do governo, procedia de Ushuaia. Era todo um símbolo. Os Jovens Amigos da Espanha Leal juntaram o melhor de nossa mocidade. Incansáveis, decididos, audazes, suas iniciativas se multiplicaram e enriqueciam ao largo de toda nossa geografia. 

Foi memorável a Jornada de sacrifícios da Juventude. Caravanas de moças, rapazes e crianças, com cartazes e faixas, alguns deles portando grandes barris, percorreram as ruas e cidades de todo o país arrecadando solidariedade para a Espanha.

Aqui, na capital, centenas e centenas de jovens, com enormes ramos de cravos vermelhos e de espigas de trigo, invadiram os cinemas, restaurantes, cafés, meios de transporte, vendendo um cravo e uma espiga, com adesão popular comovedora.

O CAMHE mantinha três abrigos na Espanha para os filhos dos combatentes. Duas delas para 180 crianças e uma para 160. Coincidiu nessa iniciativa com a das Brigadas Internacionais, que adotaram abrigos e hospitais para crianças. O primeiro aniversário de sua chegada à Madri, assumiram o compromisso de colaborar com a criação e a manutenção de uma casa para as crianças cujos pais haviam caído combatendo nas filas das Brigadas Internacionais. 

A guerra era cada dia mais cruel. A fome acossava em especial as crianças. La Pasionaria convocou então, num vibrante e patético chamado, as mulheres de todo o mundo para salvar suas vidas. Era o terceiro inverno da guerra. Esta convocação provocou uma grande comoção. FOARE e todas as organizações que a compunham, as coletividades estrangeiras, e outras como a Frente Feminina e Juvenil, a União Hispano Americana Oceania, com suas 120 filiais e muitas mais, organizamos a “Grande Campanha de Inverno” que teve um momento extraordinário no ato da Casa Suíça, no Natal de 1938.

Uma enorme árvore de Natal presidiu esse ato pelo qual desfilaram sem pausa, das 10 da manhã até a meia noite, milhares e milhares de pessoas depositando ajuda para as crianças espanholas. 

O CAMHE lançou a consigna de uma lata de leite condensado para cada criança. Foram milhares e milhares que transbordaram a árvore de Natal, além de brinquedos, víveres e roupas. A Convocatória de Dolores deu um formidável impulso para a ação solidária em todo o país que, para essa data, dezembro de 1938, havia enviado ao Comitê Coordenador, com sede em Paris, ajuda no valor de 70 milhões de francos. A Argentina ocupou um dos primeiros postos no movimento mundial de solidariedade.

Fui testemunha e uma das depositárias, na Espanha, da magnitude da solidariedade mundial, quando coube-me conduzir a Campanha de Inverno de ajuda às Frentes de Batalha, a partir do Socorro Vermelho, instalado em Valência.

Foi comovedora a participação de nossas crianças. Por iniciativa de Pedrito Grosso, foram criados dezenas de Comitês infantis de ajuda aos órfãos espanhóis. Sua tarefa era coletar jornais e qualquer tipo de dejetos e transformá-los em dinheiro. Além disso, distribuíam folhetos, convocavam para os atos, e inclusive muitos deles treinaram como oradores. Era maravilhoso e enternecedor ver e ouvir a essas criaturas que começavam a obter consciência do significado do combate que se travava entre a liberdade e o fascismo.

Não descansávamos. Os endereços de Pedras 8º e Bartolomé Mitre 745 mais tarde se transformaram em nossa segunda casa e pela noite, despois de cansativas jornadas, chegávamos até o Bar Ibéria, na esquina de Salta e Avenida de Mayo, onde a conversa central girava em torno da última parte da guerra e muito frequentemente enfrentávamos os paroquianos do Bar Espanhol que estava em frente ao Ibéria e era refúgio dos franquistas; não poucas vezes se passava rapidamente das palavras aos atos, nos quais não faltavam brigas das quais sempre queríamos sair vencedores.

Por estes anos, os trabalhadores da construção, protagonistas da grande greve dos anos 1935-1937, formaram a poderosa Federação Nacional. A greve de janeiro de 1936 , dirigida pelos comunistas e anarquistas, contou com a solidariedade de toda a classe operária e do povo. Seu significado pode ser medido quando se ligou com outras lutas operárias e populares criando-se um Comitê de solidariedade integrado por 74 sindicatos que, ante a posição hostil da CGT, convocou uma greve geral de solidariedade naquele janeiro de 1936 que paralisou a vida na Capital durante 48 horas. A pressão de massas obrigou a CGT a modificar sua atitude, a intervir em favor de uma greve triunfante.

Junto aos dirigentes comunistas da construção Normando e Rubén Iscaro, Pedro Tadioli, Angel Orteli, os italianos Fioravanti e os irmãos Fabretti (que foram deportados para a Itália fascista sob a aplicação da Lei 4144 de residência), como não evocar a José Peter, Vicente Marischi, Antonio Moreira, Julio Dopazo, Julio Demarchi, Juan Yapiccino, Ricardo e Rodolfo Gómez, Antonio Cabrera, Julio Liberman, Miguel Zarate e muitos mais companheiros que foram líderes em suas respectivas entidades, reconhecidos e respeitados pelos trabalhadores. 

É preciso dizer que os trabalhadores da construção, como os de outras profissões, estiveram na primeira linha da solidariedade da classe operária com a Espanha leal. Estimularam a doação de jornadas para os trabalhadores espanhóis. A classe operária foi parte ativa, dinâmica, deste grande movimento solidário que comovia a Nação.

“LA Nueva España” editou uma série de livros sobre a guerra nacional revolucionária, da mesma forma como outras editoras. Tiragens de 5.000 e 10.000 eram vendidas facilmente e não havia residência antifascista que não tivesse um busto da Pasionaria e outro do General Miaja [General José Miaja Menant, membro da Junta de Defesa e comandante militar da República Espanhola- NR], produzidos e distribuídos pela FOARE, assim, como insígnias, cartazes e outros meios de propaganda para arrecadar fundos".


do portal Vermelho.orgvermelho.org.br

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