5 de abril de 2011

Roberto Carlos a Ditadura e as jovens tardes de domingo.


Os aracnídeos do Portal #Teialivre, fizeram esta pergunta aos leitores : Onde você estava em março de 64".
Confesso que tive que fazer uma retrospectiva difícil do meu passado para chegar à conclusão de que a grande maioria dos que hoje militam em partidos políticos de esquerda ou nas redes sociais, faziam parte dessa grande massa chamada "juventude alienada".
Eu era criança em março de 64, e somente em 68, nas agitações estudantis iniciadas com a morte de Edson Luis no restaurante Calabouço no Rio de Janeiro é que comecei a perceber que o mundo não era tão côr de rosa e inocente como nos mostrava o Rei Roberto Carlos em seu programa das tardes de domingo, o Jovem Guarda.
Mas, como diz o ditado, "o que é já nasce feito" ou já traz dentro de sí esse microbiozinho da inquietação, entendi hoje lendo o texto de Uriano Mota no portal Vermelho.org, o porquê de minha implicância com Roberto Carlos desde os tempos do programa da Record, Jovem Guarda.
Tinha uma amiga de infância, a Cinira, que era macaca de auditório do Roberto Carlos. Todos os domingos participava do programa do Rei, tinha todos os discos, todas as revistas com reportagens sobre o cantor, usava a calça calhambeque, etiqueta lançada pelo Rei, e vivia suspirando pelos cantos, de paixão por seu ídolo. Sempre me convidava para ir com ela ao programa Jovem Guarda e eu não aceitava. Preferia a turma do Fino da Bossa, outro programa de sucesso da Record comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues. Os fãs do Jovem Guarda olhavam para os fãs do Fino da Bossa com desconfiança, como se fossemos um tanto quanto "maloqueiros", como me chamou a Cinira no dia que declarei que o Roberto Carlos era um babaca e que ela era outra por gostar dele.
Resumo da ópera: a Cinira nunca mais falou comigo, passava por mim na escola ou na rua onde morávamos e me virava a cara.
Naquela época eu não tinha muita clareza das razões de minha implicância com o Rei Roberto Carlos, lendo o texto do Uriano Mota descobri por que não curtia o Rei (continuo não curtindo).
A Cinira nunca mais vi, mas com toda certeza é uma daquelas corôas que pagam em doze prestações mensais um daqueles cruzeiros marítimos anuais com o Rei Roberto Carlos.
Eu também sou coroa, mas minha graninha suada o Rei não leva nem a pau.

Roberto Carlos e a Ditadura

Urariano Mota *

As datas, os aniversários, têm um poder evocativo muito forte. Esta semana me veio de súbito uma pergunta: que música seria mais representativa do golpe militar de 64? Quais canções, que músico seria mais representativo daqueles anos inaugurados em um primeiro de abril?

Num estalo me veio que Roberto Carlos deve ter sido o compositor mais representativo da ditadura. Não sei se num curto espaço conseguirei ser claro. Mas tento. Os mais velhos sabem que a lembrança daqueles anos muito tem a ver com os rádios, em todos os lugares, tocando

“De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar
se você não vem e eu estou a lhe esperar
só tenho você no meu pensamento
e a sua ausência é todo meu tormento
quero que você me aqueça nesse inverno
e que tudo mais vá pro inferno”

Quando Roberto Carlos explodiu os rádios do Brasil, ele cresceu em um programa que arrebentou em 65. O programa Jovem Guarda se opunha ao O Fino da Bossa, com Elis. Enquanto O Fino da Bossa fazia uma ponte entre os compositores da velha guarda do samba e os compositores de esquerda, o Jovem Guarda...

“Eu vou contar pra todos a história de um rapaz
que tinha há muito tempo a fama de ser mau..”

“O Rei, o Rei não tem culpa...”, diz-nos um senhor encanecido, ex-jovem guarda (e como envelheceu a jovem guarda!). “O Rei não tem culpa...”. Sim, compreendemos: quem assim nos fala quer apenas dizer, Roberto Carlos não teve culpa de fazer o medíocre, de falar aos corações da massa jovem daqueles anos. À juventude alienada, mas juventude de peso, em número, que ganha sempre da minoria de jovens estudiosos. Que mal havia em falar para a sensibilidade embrutecida mais ampla? É claro que ele não teve culpa de macaquear a revolução musical dos Beatles em versões bárbaras, em caricaturas dos cabelos longos, alisados a ferro e banha, para lisos ficarem como os dos jovens de Liverpool.

Mas é sintomático nele a passagem de cantor da juventude para o “romântico”. Essa passagem se deu na medida em que os jovens de todo o mundo deixaram de ser apenas um mercado de calças Lee e Coca-Cola, e passaram a movimentos contra a guerra do Vietnã, até mesmo em festivais de rock, como em Woodstock. Ou, se quiserem numa versão mais brasileira, o Rei Roberto se torna um senhor “romântico” na medida em que as botas militares pisam com mais força a vida brasileira. Ora, nesses angustiantes anos o que compõe o jovem, o ex-jovem, que um dia desejou que tudo mais fosse para o inferno? - Eu te amo, eu te amo, eu te amo...

É claro que a passagem do Roberto Carlos Jovem Guarda para o senhor “romântico” não se deu pelo envelhecimento do seu público. De 1965 a 1970 correm apenas 5 anos. O envelhecimento é outro. Nesses 5 correm sangue e raiva da ditadura militar, no Brasil, e crescimento da revolta do público “jovem”, no mundo. Enquanto explodem conflitos, a canção de Roberto Carlos que toca nos rádios de todo o Brasil é “Vista a roupa, meu bem” (e vamos nos casar). Se fizéssemos um gráfico, se projetássemos curvas de repressão política e de “romantismo” de Roberto Carlos, veríamos que o ápice das duas curvas é seu ponto de encontro.

Enfim, o namoro do Rei Roberto Carlos com o regime não foi um breve piscar de olhos, um flerte, um aceno à distância. O Rei não compôs só a música permitida naqueles anos de proibição. O Rei não foi só o “jovem” bem-comportado, que não pisava na grama, porque assim lhe ordenavam. Ele não foi apenas o homem livre que somente fazia o que o regime mandava. Não. Roberto Carlos foi capaz de compor pérolas, diamantes, que levantavam o mundo ordenado pelo regime. Ora, enquanto jovens estudantes eram fuzilados e caçados, enquanto na televisão, nas telas dos cinemas, exibia-se a brilhante propaganda “Brasil, ame-o ou deixe-o”, o que fez o nosso Rei? Irrompeu com uma canção que era um hino, um gospel de corações ocos, um som sem fúria de negros norte-americanos. Ora, ora, o Rei ora: “Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui”.

Os brasileiros executados sob tortura não estavam com Jesus. Nem Jesus com eles.

do site:vermelho.org.br

1 comentário

Anônimo

Será que é tudo o que foi escrito corresponde a verdade?
Roberto Carlos foi ouvido?