4 de abril de 2011

“EUA TEM UM EXÉRCITO IMPRESSIONANTE PARA UMA GUERRA QUE NÃO OCORRE”.

Entrevista com Pablo Bonavena, sociólogo argentino e pesquisador dos fenômenos dos conflitos bélicos modernos, ao jornalista Jose Pablo Maestre, do Jornal Pagina/12.

Bonavena sustenta que o exército norteamericano não serve para o tipo de combate na guerra contra o terrorismo, mas que, de todas as formas, é o maior comprador mundial de antibióticos e misseis.

PAGINA12O senhor menciona em seu texto “Los cambios de la forma de la guerra a partir de los 90” – (As mudanças das formas de guerra à partir dos anos 90) – que, com o orçamento militar dos EUA se poderia garantir acesso universal à água e, além disso, reduzir em dois terços a mortalidade infantil.

Pablo Bonavena – A nós interessa enfatizar, em sociologia, que grande parte do esforço humano, uma enorme quantidade de recursos, destina-se à guerra e que, sem dúvida, pelo menos no campo da sociologia, não se adverte sobre o peso que a guerra tem na nossa sociedade. Assim como constantemente dizemos como, estimativamente, poderiam solucionar grande parte dos problemas da humanidade com uma porção não muito grande dos orçamentos militares. Também vimos dizendo como quase tudo, ou em grande parte, do que se consome ou dos bens que se compram no mercado com naturalidade, como um celular, o desenvolvimento de medicamentos ou a internet, foi inicialmente concebido como armamento para a guerra. E tratamos de ir mostrando, com esses dados que o senhor mencionou o peso do esforço bélico na humanidade e que, de alguma forma, é um convite, esse tipo de contraste,  pensar em quê se pode fazer com o que se destina para a guerra. Ou colocar em evidência que grande parte do que consumimos nos chega quando perdeu eficácia ou efeito surpresa no campo militar. Diante disse, pode-se querer chamar a atenção e abrir um debate politico para saber onde se usa, ou se dilapida, o esforço humano. A guerra é uma atividade que consiste em tentar introduzir pedaços de metal no corpo de outra pessoa para tirar-lhe a vida. E é impressionante o peso que tem na sociedade, que às vezes não se é suficientemente consciente do esforço que se despende nesta atividade em detrimento de um monte de outras coisas, como a fome, a água ou qualquer coisa que possa melhorar as condições de vida no planeta.

P12 Em seu texto, o senhor também afirma que todo o esforço econômico e produtivo não rende frutos a uma potência como os EUA. Pelo menos diante dos bilhões de dolares investidos diante dos pequenos orçamentos de seus adversários.

PB – De fato. Desde a queda do Muro de Berlim; desde o fim da União Soviética e da Guerra Fria, a guerra vem adotando novas formas, mais avançadas do que durante a dissuasão nuclear. No contexto da Guerra Fria, da corrida entre os EUA e o mundo ocidental que enfrentava o comunismo da União Soviética. Superada a situação de polaridade, pelo menos militar, abre-se uma nova etapa onde se começa a perceber que, em algum grau, o enorme esforço militar das grandes potências, sobretudo os EUA, tem uma eficácia bastante pobre com relação aos investimentos nos reais campos de batalha. O que se nota é uma disparidade de forças que não conduzem aos resultados que, em princípio, se esperaria racionalmente frente a esta disparidade. É assim que uma das discussões mais importantes na teoria da guerra, no debate doutrinário militar e técnico-militar, passa por aquilo que conceitualizamos como problema de assimetria de forças. E transforma-se em um problema porque uma força militar enorme, de poderio impressionante, não gera os resultados concretos esperados frente ao que seriam esforços sumamente artesanais. A assimetria se constitui em um problema porque, justamente, os menos poderosos obtém resultados na ação  militar, e, consequentemente, também politica, igualmente importantes. Basicamente, à assimetria de forças corresponde uma assimetria estratégica. Aquele que não pode responder frontalmente, responde de outra maneira. Importantes exércitos com baixa eficácia frente a forças que, como se diz na doutrina militar, não cooperam estratégicamente. Quer dizer, combatem de uma maneira totalmente distinta. Em que sentido? Não é mais um Estado frente a outro Estado com certa previsibilidade no decorrer da guerra, senão que há formas em que o tempo e o espaço, por exemplo, mudaram a maneira de combater. Assim como um ataque no Oriente Médio pode ser respondido em Buenos Aires ou New York, e não imediatamente, mas algum tempo depois. Estes são elementos que depois serão conceitualizados como não-cooperação estratégica, porque não são dois iguais que lutam sob as mesmas regras. Não significa, e sobre isso há um debate muito importante, que em algum momento a alguns setores  da sociedade norteamericana não lhes convenham estes exércitos, por serem grandes consumidores. Por exemplo, o maior consumidor de antibióticos  da humanidade é o exército norteamericano, que possui  enormes quantidades de medicamentos para suas tropas.

P12 E o negócio das armas?

PB – Obviamente, também pesa a questão dos armamentos, onde grandes empresas, como Boeing e Lockheed Martin, fabricantes de misseis, são empresas que não sobreviveriam sem este tipo de conflitos. As novas formas de guerra são, antes de mais nada, policialescas. A absurda guerra contra o terrorismo, que permite sair caçando civis, utiliza meios de inteligência e policia. Um exército com tanques, aviões e portaviões e submarinos, não tem utilidade. Se mantém porque extinguir este tipo de armamento seria provocar uma crise fenomenal na indústria bélica, sobretudo, a norteamericana, ainda que não seja única. É, por um lado, um grande negócio sustentado por boa parte da economia norteamericana porque grandes empresas vivem disso, e, por outro lado, está o regimento militar que combate na linha de frente ao terrorismo, a guerra irregular e assimétrica no Oriente Médio, o Talibã, a resistência ou insurgência no Iraque, Somália, etc. Então se produz uma espécie de choque de interesses: os que efetivamente estão em combate e, inclusive, altos quadros do exército dos EUA analisam como derrota de suas forças armadas a baixa eficiência de suas intervenções frente aos altos gastos no emprego de enorme capacidade de destruição, mas que não pode se consolidar em vitória militar. E, é claro, tais niveis de destruição transformam, inevitavelmente, em muito hostis as populações que, entre aspas, venham a ser libertadas. A força invasora não é simpática por causa da destruição que os constantes bombardeios provocam. Então, altas patentes militares dos EUA, como aqueles que atuam nos campos de batalha, dizem que, de forma geral, os EUA tem um exercito impressionante, mas para uma guerra que não ocorre, para as guerras que não acontecem de verdade. E sugerem adaptar estas forças militares à nova forma de guerra, que é uma luta assimétrica. Logicamente, isso pressupõe, entre outras coisas, porque implica em várias consequências, desfazer muitos contratos com empresas que financiam armamentos para a guerra Estado contra Estado e assinar outros contratos, a custos menores, para outro tipo de batalhas. Este  é, basicamente, o conteúdo.

P12O exército invasor não é aceito porque os bombardeios atacam civis, o que chamam de danos colaterais. São, efetivamente, danos colaterias?

PB – Não são danos colaterais; dizem, mas não são. Uma prática que surgiu na Segunda Guerra é que o alvo é a população civil. Calcula-se que, nos conflitos dos últimos 20 anos, 95 a 97% das baixas seja civil, o que nunca será um dano colateral. Não há danos colaterais; dano colateral é algo dar errado, mas isso é comum e sistemático. Na guerra dos Balcãs atacavam diretamente cidades de um lado e de outro. Aqui, a imprensa refletia apenas o que faziam as tropas sérvias.

P12O que o senhor diz da imprensa me faz pensar que, muitas vezes, ao bombardeio militar acompanha o bombardeio midiático. Sempre se mostrou os coreanos, japoneses, vietnamitas, como os maus. Michael Moore também demostrou como muitos nortamericanos acreditava terem ganho a guerra do Vietnã.

PB – Estados Unidos tem um excelente desempenho militar em Hollywood. Fora daí, tem vários problemas. Pretendem criar uma ideologia de guerra em seu país que lhes dê consenso em suas intervenções militares. Porisso sempre recomendo, porque me parece mais interessante, àquele que quer saber sobre o Iraque ou o Afeganistão que leia os especialistas militares americanos, e não a imprensa. Porque, quando a imprensa divulga uma intervenção cirúrgica e exitosa, com poucos danos colaterais, um General norteamericano publica uma nota no Military Review dizendo: “Fizemos um papelão, matamos um monte de gente que nada tinha a ver com isso, e que devem estar nos odiando ainda mais, e temos que mudar tudo, pois estamos em crise”.  E estamos falando de uma revista oficial do Exército dos Estados Unidos!

P12 Com os bombardeios a civis mencionados anteriormente começa o que o senhor chama de círculo bélico. O que provoca ao resto dos civis que assumam a insurgência e devolvam os ataques a objetivos civis, como as Torres Gêmeas, Londres ou Atocha.

PB – Com Atocha se mudou o rumo da eleição na Espanha. Ressalto que, com um pequeno orçamento, provocam efeitos politicos enormes. Falemos concretamente da quantidade de mortos que produz o chamado “terrorismo”. Se produziu ao redor de 4 mil baixas em todo o mundo por atos terroristas, que é menos que um país produz por acidentes de trânsito. Ou seja, o terrorismo mata menos que a gripe. É a forma de violência politica mais moderada. Há todo um trabalho de propaganda para apresentá-lo como monstruosidade. O terrorismo é a forma menos letal de violência. Temos sempre o cuidado de chamar de ataques ao que, geralmente, se conhece como atentado, é uma força que ataca a outra. Aliás, se prestar atenção, a acusação de “terrorista” é muito tênue. Houveram dois terroristas prêmio Nobel da paz, um deles, Yasser Arafat (lider palestino). Agora, Obama também é Nobel da Paz. Agora, o inimigo é uma prática, o que é um total absurdo. Dizem que nosso inimigo é o terrorismo: uma formulação ridicula e pobre.

P12 mas existe ...

PB – Claro que existe, mas se você parar para pensar, pode ser um grupo que faz terrorismo, mas não pode ser “o terrorismo” em si. Não se pode dizer que “o bombardeio” é seu inimigo, mas quem bombardeia. Uma das coisa que tratamos de trabalhar, na cátedra, são as formas que o fenômeno da guerra se irradia por toda a sociedade, e a todas as sociedades. E isso tem efeitos de maior ou menor grau em diferentes níveis em escala planetária. O senhor dizia que a imagem do “terrorismo” como inimigo, existe. Efetivamente, nos dizem que o terrorista é um ser malvado, cruel, irracional, etc. Que, portanto, deve ser aniquilado. Em outra escala da mesma figura, quem temos? O delinquente. Nem sequer como delinquente, a insegurança. O terrorismo tem um nivel mais alto, e a insegurança a nivel mais baixo. A forma de construir a idéia é a mesma. Quem provoca insegurança o faz de maneira cruel, irracional, não há lógica. Não é o que rouba porque precisa, mas o filho da puta que te mata porque sim! Estamos falando de uma sociedade relativamente livre de conflitos bélicos e, mesmo assim, este formato adquire corpo.

P12O senhor falou dos 4 mil mortos pelo terrorismo. Sabe-se qual a quantidade de mortos produzidos por exércitos regulares?

PB – Há um estudo da revista The Lancet, uma publicação médica inglesa de muito prestígio, sobre os mortos no Iraque. Em 2006, publicaram uma pesquisa onde contaram 650 mil mortos, apenas no Iraque. No artigo explicam muito bem a metodologia, que utilizaram informes médicos de vários hospitais. Mas há lugarejos, pequenas aldeias que desapareceram completamente; ou os grupos nômades onde todos morreram. Quantos mortos houve em Fallujah? Sabe como se pode contar? Com o censo, o ultimo, de 1972 ou 1973, então se tira quantos eram os habitantes à época, qual a expectativa de crescimento vegetativo e se saberá quantos restaram.

P12 Outro tema interessante mencionado nos textos de Sociologia da Guerra é o surgimento dos exércitos privados, dos mercenários. Depois da queda da União Soviética, sobrou uma grande quantidade de arsenais e exércitos que existiam para guardar a Cortina de Ferro, que ficaram sem trabalho.

PB – A isso pode-se somar, também, por um lado, a dissolução de exércitos, gente disponivel pela redução de forças armadas estatais e pelo efeito do neoliberalismo com a idéia de diminuir o Estado. Há que privatizar tarefas antes do Estado; privatiza-se a educação mas também as tarefas de defesa e inteligência. São os mercenários que formam parte importante nas forças invasoras, por exemplo, dos EUA no Iraque, Afeganistão, e outros lugares do mundo, com a vantagem de que este tipo de empresa livra os EUA de algumas responsabilidades. Se torturam, dizem que eram as empresas privadas que custodiavam os prisioneiros, ou com a imcumbência da informação. Ainda, minimizam custos politicos, porque quando estes soldados morrem, constam como mortes civis. São contratados, mas também são forças armadas. Dados: já em 2008, as principais forças de ocupação no Iraque eram empresas privadas. No século XXI, participaram em todos os cenários de guerra. Estas empresas surgem de grupos econômicos que produzem armas ou petróleo, como Halliburton. Na verdade, estas empresas começam a questionar o monopólio legitimo da violência que detém o Estado-Nação. Mas, ainda que seja surpreendente, até a organização supracional como a ONU também contrata estas empresas. Aparecem como pessoal de segurança e logística.

Tradução: Júlio Pegna
Colaborou: Júlio “Ciego” Moreno

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