9 de dezembro de 2010

WikiLeaks versus A Máquina

WikiLeaks versus A Máquina

9/12/2010, Martin Hickman, The Independent, UK

http://www.independent.co.uk/news/world/americas/wikileaks-vs-the-machine-2155031.html
Empresas norte-americanas acusadas de tentar silenciar WikiLeaks estão sob ataque implacável de uma rede global muito ampla de hackers anônimos.
Enquanto Julien Assange, 39 anos, australiano, editor-chefe de WikiLeaks, descansa na prisão de Wandsworth Prison onde está preso acusado de ter praticado “sex by surprise” – modalidade de prática sexual considerada crime na Suécia (“a moça não disse sim, mas tampouco disse não”), as empresas financeiras e tecnológicas que retiraram, por pressão do governo dos EUA, o apoio que davam a WikiLeaks, foram alvo de ataques online por hackers – que paralisaram suas operações por Internet. O website de operações por Internet da MasterCard foi completamente ‘derrubado’.
Outra dessas gigantes financeiras, PayPal, confirmou que só suspendeu o recebimento de doaçõesonline para WikiLeaks por pressão do Departamento de Estado dos EUA – o que desencadeou suspeitas de que os EUA estejam pressionando empresas em todo o mundo para que interrompam o fluxo das doações em dinheiro, de apoiadores, para a organização WikiLeaks, a qual continua a distribuir telegramas diplomáticos secretos dos EUA, de um arquivo que tem em seu poder, de 250 mil documentos.
A questão complicou-se ainda mais quando WikiLeaks revelou que diplomatas dos EUA teriam intervindo para modificar um projeto de lei a ser votado pela Duma (parlamento) russa, que, sem as modificações introduzidas, feriria interesses das empresas Visa e MasterCard. Horas antes, as duas empresas haviam anunciado o rompimento de laços comerciais com WikiLeaks.
O telegrama vazado por WikiLeaks, datado de 1/2/2010, revelava que o governo Obama havia ‘trabalhado’ com altos funcionários do governo russo, a favor das empresas e contra o projeto de lei apresentado por um consórcio de bancos estatais russos, para que não deixassem de receber taxas de administração [de contas-salários de funcionários públicos
[1]] “estimadas em US$4 bilhões anuais”.

NOTA DOS TRADUTORES:

O telegrama citado pode ser lido na íntegra em “WIKILEAKS cables: EUA conduzem operação secreta para favorecer Visa e Mastercard” (8/12/2010, Guardian, UK
http://www.guardian.co.uk/world/us-embassy-cables-documents/246424 [em inglês]). Lá se lê, sobre os inconvenientes que teria para os interesses das empresas Visa e Credicard, um projeto de lei russo que então tramitava no Parlamento:
“No texto do projeto de lei a ser votado, empresas de cartões internacionais que desejem associar-se ao
NPCS (Sistema Nacional [russo] de Cartões de Crédito e Pagamento] terão de instalar centros de processamento locais [em território russo]. Mas nem o representante de Visa nem o representante de MasterCard (juntas, as duas empresas controlam 85% do mercado russo de cartões de crédito), tem qualquer desejo de instalar esses centros de processamento. O presidente da MasterCard na Rússia (Ilya Riaby) disse que MasterCard teria de “construir e avaliar o modelo de negócio necessário [para instalar centros de processamento em território russo]” antes de decidir. O projeto de lei que tramita estipula que empresas internacionais de cartões de crédito terão um ano para estabelecer centros de processamento em território russo. (NOTA: Atualmente, nenhuma empresa internacional de cartões de crédito tem centros de processamento em território russo.) Dois anos depois de a lei ser aprovada, passará a ser proibido enviar ao exterior dados relativos a transações locais.

Sobre suspeitas a respeito das ‘causas’ que estariam ‘por trás’ do projeto de lei ‘dos cartões de crédito’ russos, diz o embaixador dos EUA em Moscou:

(...) Segundo [aqui omitido], o ministério das Finanças entende que [essa decisão do governo russo] criará tantos novos custos e dificuldades para Visa e MasterCard, que as duas empresas talvez desistam do mercado interno russo. [Aqui omitido] crê que, pelo menos no plano dos ministros, o ministério das Finanças está com as mãos atadas. Implicação clara: os serviços russos de segurança estão por trás da decisão, disse [aqui omitido], “Há ordens secretas do governo que ninguém vê, mas todos obedecem”. Como já informamos [outro telegrama], representantes de bancos e de empresas de crédito informaram-nos de que representantes do Governo Russo estão aparentemente convencidos de que os sistemas norte-americanos de cartões de pagamento e crédito compartilham dados associados aos cartões de pagamento e crédito de cidadãos russos, com serviços de inteligência nos EUA e noutros países.
(...) Recomendamos que os mais altos funcionários do governo dos EUA aproveitem a oportunidade de encontros com seus equivalentes russos, inclusive na Comissão Presidencial Bilateral, para pressionar o Governo Russo a mudar a redação do projeto de lei, de modo que não prejudiquem as empresas de cartões de pagamento e crédito norte-americanas”
.

Simultaneamente, WikiLeaks, que também foi alvo de ataques cibernéticos, emergiu qual fênix, em milhares de “páginas-espelho” que espoucam em toda a rede, permitindo que todos os interessados possam ler os telegramas divulgados nos últimos dias.
Operando como ‘justiceiros de Julian Assange’, uma equipe global de hackers que se autoidentifica como “Anonymous”, paralisou a página de MasterCard sobrecarregando-a com pedidos de informações. Em mensagem publicada num portal, os hackers ameaçaram derrubar a rede social do Twitter, em protesto por Twitter ter ‘censurado’ as msgs do grupo – acusação que a empresa norte-americana rejeitou.
Um hackerativista escreveu no forum 4chan: “Quanto mais MasterCard for atacado, melhor”. Outro escreveu: “Mantenham o ataque. Como guerra, não simples batalha como sempre acontece.”
Os hackers também atacaram a página do advogado sueco que representa as duas suecas voluntárias de WikiLeaks pivôs do caso contra Assange por crimes de “sex by surprise”. O advogado, Claes Borgstrom, denunciou à Polícia o ataque dos hackers; disse que as acusações não são parte de um complô contra Assange: “Nada têm a ver com WikiLeaks ou com a CIA”, disse ele.
(...) Em declarações que fez antes de saber que permaneceria preso sem direito a fiança, Assange disse que a ação das corporações contra ele provavam “que a censura de Estado foi privatizada” nos EUA. “Esses ataques não deterão nossa missão, e devem fazer soar todos os sinais de alarme sobre a manipulação do sistema legal nos EUA”, disse ele.
(...) A secretária de Estado Hillary Clinton disse que os vazamentos são ataque ilegal contra os EUA e a comunidade internacional. Ontem, contudo, um dos aliados dos EUA optou por acusar os EUA, em vez de acusar WikiLeaks.
O ministro das Relações Exteriores da Austrália Kevin Rudd disse ontem: “O Sr. Assange não é responsável pela divulgação de 250 mil documentos da rede de comunicação diplomática dos EUA. Os responsáveis pelo vazamento são os norte-americanos”.
Para Shiar Youssef, um dos porta-vozes do grupo britânico Corporate Watch, considerou a retirada do apoio das empresas a WikiLeaks “bastante preocupante”.
“A MasterCard está dizendo que não quer aparecer associada a qualquer atividade ilegal, mas nenhuma autoridade judicial até agora declarou ilegal a atividade de WikiLeaks. Nenhuma empresa pode decidir o que seja legal ou ilegal. O que encorajou as empresas a cortar todos os laços comerciais com WikiLeaks foi o barulho que a direita dos EUA está fazendo”, disse ele.
VAZAMENTOS: Shell e a Nigéria
* A gigante Shell, do petróleo, infiltrou funcionários seus em todos os principais ministérios da Nigéria. Uma dos principais executivas da Shell na Nigéria vangloriou-se de que sua empresa “sabe tudo que se faz em todos aqueles ministérios” e que os líderes do país, muito rico em petróleo tinham “esquecido” que os ministérios haviam sido ‘invadidos’. Os telegramas secretos emitidos pela embaixada dos EUA em Abuja também revelam que a empresa compartilhava dados de inteligência com os EUA.
Por ironia, os telegramas, de 2009, revelam que Ann Pickard, então vice-presidente da Shell para a África sub-sahariana, manifestou dúvidas sobre partilhar informação com os EUA, porque considerava que o governo dos EUA tinha “furos” pelos quais a informação poderia vazar.

NOTA DOS TRADUTORES:

O telegrama citado pode ser lido na íntegra no Guardian, 8/12/2010, em “US embassy cables: Shell seeks to share Nigeria intelligence”, em http://www.guardian.co.uk/world/us-embassy-cables-documents/170674 (em inglês). Há nesse telegrama outras coisas interessantes, além do que o Independent observa. Por exemplo, que nem a Shell confia no que diz o embaixador, nem o embaixador confia no que lhe diz a Shell:

(S/NF) RESUMO: A vice-presidente da Shell para a África [sic] Ann Pickard (estritamente protegido), disse que um ataque dia 13 de setembro a um poço de gás natural em Rivers State pode impactar o fornecimento de gás para a usina nigeriana [orig. Nigerian Liquefied Natural Gas (NLNG)], mas apresentou como reduzido o impacto de ataques recentes sobre a produção atual total da Shell.
[Itálicos no original:] Disse que os XXXXXXXXXXXX estavam por trás da agitação entre os guerrilheiros em Rivers State e que a falta de conexões políticas dos [XXXXXXXXXXXX no original] de Rotimi Amaechi governador do estado de Rivers obrigou-o a combater em vez de “cooptar” os guerrilheiros, como fizeram os governadores dos estados de Delta e Bayelsa.Pickard perguntou o que o governo dos EUA sabia sobre os interesses de GAZPROM [a maior empresa da Rússia e maior exportadora de gás natural do mundo (NTs)] na Nigéria; e se tínhamos informação sobre embarque de entre um e três mísseis terra-ar para guerrilheiros no delta do Niger Delta. Alegou que uma conversação com funcionário do governo da Nigéria foi secretamente gravada pelos russos. Esse embaixador crê que o impacto dos recentes ataques pode ter sido maior, sobre a produção da Shell, do que Pickard deixa transparecer. FIM DO RESUMO.

Sob ameaça
Mastercard
Os hackers derrubaram as páginas internet da Mastercard no Reino Unido e global, bombardeando-as com pedidos de informação, técnica conhecida como “ataques dedicados de negação-de-serviços” [ing. dedicated denial-of-service attacks]. “Estamos trabalhando para restaurar os níveis normais de serviços” – a MasterCard declarou em nota. Acrescentou que não havia “qualquer impacto” sobre a capacidade de os portadores usarem seus cartões.
PayPal
Depois de ter começado a rejeitar os depósitos de doações para WikiLeaks, PayPal, na 2ª.-feira, foi alvo de ataques dedicados de negação-de-serviços. O grupo “Anonymous” declarou que os ataques voltarão; que PayPal voltaria a ser atacada “em poucas horas”.
Visa
Além da MasterCard, também o Visa Europe – gigante norte-americana no setor europeu – rompeu contratos comerciais com WikiLeaks. Visa não teve problemas com a “Operação Payback”.
Twitter
A página de relacionamento social foi sobrecarregada com mensagens sobre WikiLeaks, mas, segundo “Anonymous”, os administradores de Twitter rebaixaram o chatter online. Um blogueiro advertiu: “Vocês estão a um passo de censurar [a tag] #Wikileaks discussion”. Twitter nega ter interferido na discussão.

[1] Sobre isso, ver a íntegra do telegrama, em “WIKILEAKS cables: EUA conduzem operação secreta para favorecer Visa e Mastercard” (8/12/2010,Guardian, UK http://www.guardian.co.uk/world/us-embassy-cables-documents/246424 [em inglês]).


do Vila Vudu


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