22 de maio de 2010

O Irã e os acordos

Amani Maged, Al-Ahram Weekly


Apesar do acordo de troca de urânio que o Irã firmou com a Turquia, por intermediação do Brasil, mantém-se inalterado o impasse sobre o programa nuclear iraniano.

Na 3ª-feira, EUA e aliados ocidentais obtiveram, ao que parece, apoio de Rússia e China para novas sanções contra o Irã, motivadas pelo programa nuclear iraniano de que todos suspeitam; mas a campanha para obter apoio de outros membros do Conselho de Segurança parece difícil e continua.

O rascunho de resolução da ONU de que se fala, diz a AP, impediria o Irã de manter quaisquer atividades relacionadas aos mísseis balísticos que serviriam para transporte de armas nucleares; congela os bens de empresas ligadas a comandantes da Guarda Revolucionária, impede investimentos iranianos em atividades como mineração de urânio e proíbe o Irã de comprar vários tipos de armamento pesado, inclusive helicópteros e mísseis.

Parece evidente que, ao aceitar mandar a maior parte de seu urânio baixo-enriquecido (a 3,5%) para a Turquia, em troca de urânio combustível enriquecido a 20%, o Irã tenta evitar novas sanções econômicas. Os iranianos, na primeira rodada de negociações, rejeitaram a proposta da Turquia. Em entrevista a Al-Ahram Weekly, apenas alguns dias antes de o acordo ser anunciado, o diretor da Agência Atômica Iraniana Ali Akbar rejeitou declaradamente a proposta de Ancara, e rejeitou também outra proposta semelhante, apresentada pela França. Por que, de repente, Teerã mudou de ideia?

Há várias possibilidades. A explicação mais verossímil parece ser a de Amir Musavi, analista estrategista, e que considera o estilo iraniano de negociar, de sempre ganhar o máximo tempo possível nas negociações, às vezes ao ponto de extremo risco, antes de realmente negociar; chama a isso “abordagem de tecer tapetes”. Para Musavi, o Irã está fazendo tudo o que está ao seu alcance para ganhar mais tempo e simultaneamente, trabalha insistente e resolutamente em direção aos seus objetivos; até sentir que pode expor seus interesses políticos e garantir seus interesses. É importante também considerar a determinação do Irã na divulgação de sua causa. Por mais que seja sempre pintado como perigoso adversário, e, até, como ‘Estado terrorista’ no ocidente, Teerã tem insistentemente afirmado seu direito de pr oduzir urânio enriquecido a níveis superiores. Dado que o Irã é signatário do Tratado de Não-p roliferação Nuclear e do protocolo adicional – garantia de que se compromete a usar a energia atômica exclusivamente para fins pacíficos, não há motivo legítimo para negar ao Irã os direitos que lhe são assegurados por aqueles tratados. O Irã jamais se afastou um passo dessa posição até assinar o acordo com Turquia e Brasil e, imediatamente depois de o acordo ser assinado, Salehi declarou que o Irã continuaria seu programa de enriquecimento de urânio a 20% – direito que tem, nos termos do Acordo de Não-Proliferação.

O acordo de Teerã tem de ser considerado sobre o pano de fundo da muito antiga desconfiança do Irã, em relação ao ocidente. O sentimento implantou-se no início dos anos 80s, quando EUA, Alemanha e outros países ocidentais suspenderam a construção de usinas nucleares pelas quais o Irá já havia pago, e cortaram vários programas de assistência para o desenvolvimento do programa nuclear iraniano. Considerada essa experiência, o Irã concluiu que nem a construção das usinas nem o suprimento de combustível nuclear seriam jamais garantidos, se dependessem daquelas nações ocidentais. Por isso, rejeitaram a proposta encaminhada por EUA, Rússia e França em outubro passado. Por aquele acordo, que seria supervisionado pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), o Irã mandaria mais de 1.200 kg de seu urânio baix o-enriquecido para a Rússia, onde seria enriquecido a 20% e enviado à França para ser convertido em combustível que, afinal, seria devolvido ao Irã. Naquele momento, 1.200kg de urânio equivaliam a 70% do estoque iraniano de urânio baixo-enriquecido. Temeroso de que lhe roubassem seu urânio, o Irã insistiu em que, se não recebesse o combustível no prazo de um ano, a Turquia seria obrigada a devolver a mesma quantidade de urânio que recebera do Irã, imediatamente e sem quaisquer condições – garantia que foi incorporada àquele acordo.

Se, como dizem os analistas, Teerã obteve um triunfo diplomático no acordo agora firmado com a Turquia, o acordo, simultaneamente, dá aos “neo-otomanos” em Ancara a oportunidade de contabilizar mais um sucesso também em sua política de engajamento crescente nas questões da região. Enquanto Teerã mostra à comunidade internacional que sabe ser satisfatoriamente flexível, sem por isso abdicar de seu direito de dar andamento aos programas de enriquecimento de urânio, Ancara também mostra, simultaneamente, que sabe desempenhar papel-chave na gestão de situações complexas e delicadas.

E o Irã introduziu mais um jogador no jogo: o Brasil. Isso, sem dúvida, despertou entre as potências ocidentais o temor de que a resolução de conflitos internacionais esteja, de fato, começando a ser disputada em outros campos, já não, como sempre, em seu próprio campo ‘ocidental’ e ‘hegemônico’.

Para os otimistas, o acordo foi construtivo, e o Irã escapará às novas sanções. Essa é a posição do Chanceler da Turquia Ahmet Davutoglu, que rapidamente declarou que já não haveria motivos que justificassem sanções. Mais cauteloso, o secretário-geral da Liga Árabe Amr Moussa disse que o acordo nuclear de Teerã foi passo positivo e que se esperava que pusesse fim à crise entre Irã e o ocidente. O presidente do Brasil seguiu a mesma linha de cautela.

Entre as potências ocidentais as esperanças são menores e o ceticismo é maior. Washington, para começar, recebeu o acordo com a Turquia como “passo positivo”, mas acrescentou que não atendia à exigência internacional de que o Irã suspendesse o programa de enriquecimento de urânio. A IAEA espera agora manifestação escrita oficial de Teerã, declarando seu acordo com a troca de parte de seu urânio enriquecido a 3,5%, por combustível nuclear. Muitos observadores creem improvável que a IAEA obstrua o acordo, dado que já havia feito proposta semelhante, com a única diferença de que a troca incluiria a Rússia, no papel que agora é da Turquia. De qualquer modo, o Irã tem uma semana de prazo para apresentar essa carta e um mês para embarcar a quantidade estipulada de urânio para a Turquia.

Resta esperar pela reação do Irã. Todas as possibilidades permanecem abertas. Os poderes ocidentais podem não reconhecer o acordo tripartite, até que seja oficialmente aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU. Ao mesmo tempo, é possível, sim, que o Conselho de Segurança decida não votar novas sanções, à luz do acordo de Teerã.

Por outro lado, mais vozes se ouvem na direção de os EUA afinal sentarem-se face a face com o Irã, para discutir não apenas o programa nuclear iraniano, mas também a situação no Iraque e no Afeganistão. Por menos que a imprensa ocidental ajude a pensar também nessa direção, o Irã é ator protagonista também nessas arenas, e pode ser a chave que falta aos EUA para conseguir arrancar-se se não com honra, pelo menos sem vergonha e escândalo, desses dois pântanos.

Seja o primeiro a comentar!