Urariano Mota
Como a luz de uma estrela que vemos agora, assim nos atinge a visita de Einstein ao Brasil, em maio de 1925.
Na chegada do gênio ao porto do Rio de Janeiro, só não lhe tocaram Cidade Maravilhosa porque a canção ainda não existia. Mas as fotos mostram o cientista em um mar de curiosos, como se fosse um astro de cinema. Se tivesse tempo para refletir, certamente diria o que certa vez se disse Borges, ao ser cumprimentado por muitas pessoas nas ruas de Buenos Aires: “eles acenam para um homem que pensam que sou eu”.
Mal chegou ao Hotel Glória, saiu para visitar o Presidente da República e dar três conferências, no Clube de Engenharia, na Escola Politécnica e na Academia Brasileira de Ciências, sempre cercado de doutores, mas nenhum físico, inexistente no Brasil daquele tempo. Os doutores eram médicos, advogados, políticos, militares, embaixadores e alguns engenheiros. Todos muito bem situados, ricos ou de prestígio. Eram os doutores clássicos do Brasil: donos de uma posição social, e que por isso mereciam o tratamento honroso, como o Doutor Roberto Marinho. O resultado foi o que se viu.
Na primeira palestra, no Clube de Engenharia, o salão ficou completa e absolutamente lotado. Políticos, graduados oficiais das três forças armadas, altos funcionários, engenheiros, esposas e filhinhos, todos muito unidos na mais absoluta ignorância do que vinha a ser aquele indivíduo estranho e suas idéias malucas. Com a vantagem, que os deixava ainda mais unidos, de não entenderem uma só palavra da língua alemã. Ou até mesmo de outra língua, diga-se, que não fosse o português falado na intimidade de suas casas. O que importava era ver o homem famoso em ação.
A isso anotou Einstein em seu diário: “Às 4 horas, primeira conferência no Clube de Engenharia, numa sala superlotada, com ruído da rua, as janelas abertas. Não tinha nenhuma acústica para que me entendessem. Pouco científico”
No dia seguinte, ele foi à Academia Brasileira de Ciências. Ali foi homenageado em uma sessão que se anunciou como a maior já feita para o maior cientista de todos os tempos. Se alguma dúvida ele possuía que estivesse no Brasil, os acadêmicos trataram de tirá-la, porque o fizeram ouvir longos, vazios e verbosos discursos.
Então chegou a vez do homenageado, a estrela maior que viera de outra galáxia. Pelo andar da carruagem, todos esperavam que o homenageado fizesse um discurso mais alto e vibrante que os precedentes, porque tais sessões sempre atingem um ápice, um paroxismo. Que Einstein babasse, ou mesmo caísse em um ataque fulminante, seria normal. Mas o cientista mais uma vez decepcionou. Em mau francês passou a falar, baixinho, sobre a situação da natureza da luz em 1925. Os acadêmicos se entreolhavam, frustrados, mas sorriam a seus pares, todos muito sábios e senhores das equações de Max Planck. Mais uma vez, a plateia composta de políticos, jornalistas e doutores aplaudiu.
Eis que chega o melhor dia, a terceira palestra. Acreditem, porque nada é mais rico que a própria realidade. Um dos físicos presentes foi o jurista Pontes de Miranda. Sim, o jurista, que a falar em alemão desafiou Einstein, para maior fascínio dos pares:
– Data venia, Herr Einstein, a Teoria da Relatividade não considerou as implicações metafísicas das hipóteses que aventa. Das ciências físicas até as ciências jurídicas a diferença, saiba, é de grau. A Física mantém um pacto com o mundo da sociedade também, e é pacto que tira e põe, mas não deixa intacto o que estava...
O cientista sorria e mantinha silêncio. Quando acabou o discurso do jurista, a contestação à Teoria da Relatividade naquele tribunal, o físico se levantou, e como a se despedir entregou a um dos acadêmicos um papel onde se lia:
"Die Frage, die meinen Kopf entsprang, hat Brasilien sonniger Himmel beantwortet” (“A questão, que minha mente formulou, foi respondida pelo radiante céu do Brasil.”)
Era uma referência ao eclipse do Sol, observado em Sobral, no nordeste brasileiro, que em 1919 comprovara a previsão do cientista quanto à deflexão da luz pelo campo gravitacional do Sol. Pontes de Miranda pensou que Einstein escrevera a frase pra ele. Pois radiante era o céu lá fora, e o Rio de Janeiro continuava lindo.
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Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação, edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA
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