23 de maio de 2010

Filosofia, educação e o choque de gestão do Estado neo-liberal











Participei como observadora, do XXIV Encontro Estadual de Supervisores do Magistério Paulista na cidade de Campos do Jordão de 18 a 21 de maio de 2010.
É sempre muito prazeroso e reflexivo participar de encontros como este, pois o dia a dia de um trabalhador da educação, principalmente em ano eleitoral, e uma coisa absurdamente alienante, não deixando nenhum espaço em nossas mentes para refletir sobre a nossa prática.

Dentro de alguns dias terá início a campanha eleitoral para presidente da república, governadores, senadores , deputados federais e estaduais, de novo, ouviremos aqueles enfadonhos e vazios disursos sobre os problemas da educação brasileira e, claro, as promessas de cada um dos candidatos.

Em época de eleição todo candidato a algum cargo vira especialista de educação, criticam a falta de investimentos, as condições de trabalho dos professores, as metodologias de ensino, a progressão continuada, criticam tudo e todos, mas depois das eleições....

Nesse encontro de supervisores de ensino, tivemos a oportunidade de refletir sobre o processo de desmonte pelo qual vem passando a educação paulista nos últimos 18 anos, que é o tempo que o PSDB está no poder no estado de São Paulo.

Acompanhamos alguns projetos e propostas da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo desde o ano 2000, são projetos pretensamente inovadores, com roupagens de modernidade e eficiência cheios de promessas de soluções eficazes para as mazelas da educação paulista.

Envolvidos pela sedução das propostas que esta secretaria vem apresentando há 18 anos, não temos tempo de analisar o que realmente se esconde por baixo desses véus de sedução que acabam turvando nossa visão e deixando-nos imobilizados para fazer uma crítica ao que realmente interessa.

Os trabalhadores da educação paulista, professores, coordenadores pedagógicos, diretores de escola e supervisores de ensino sem execesão, tem a mesma impressão de angústia, de falta de tempo, de incapacidade física e intelectual para acompanhar tantas mudanças e "propostas" dos cardeais da secretaria de educação.

Neste encontro em Campos do Jordão, felizmente, houve tempo para essa parada e para refletir o que realmente está por trás dessa loucura coletiva que toma conta da secretaria de educação paulista.

Não vou fazer nenhum relato sobre as palestras, pois o boletim da APASE, seguramente o fará, mas relendo o texto de Frei Beto que transcrevo abaixo, me transportei ao encontro de supervisores e à reflexões lá iniciadas.

Precisamos, realmente fazer uma revolução na educação brasileira.
Revolução doce, revolução silenciosa, revolução meditativa, revolução humanística: qualquer tipo de revolução que afaste de nós, educadores e sociedade, esse cálice de fel que inundou nossa educação com os choques de gestões do Estado neo-liberal implantado com muita eficiência pelo PSDB.

Em tempo: Na última greve dos professores paulistas o estado se fez presente, mesmo sem ser convidado, na figura da policia militar que espancou professores na frente do palácio dos bandeirantes.
No encontro dos supervisores de ensino, o estado não mandou nenhum representante, mesmo tendo sido convidado, lamentável pois perderam a oportunidade de fazer um passeio Socrático, muito agradável.
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Passeio Socrático
Por Frei Beto





Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão.



Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir:

- "Qual dos dois modelos produz felicidade?"



Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:



- "Não foi à aula?"



Ela respondeu: - "Não, tenho aula à tarde". Comemorei:



- "Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde".



- "Não", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manhã..."



- "Que tanta coisa?", perguntei.



- "Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada.



Fiquei pensando: - "Que pena, a Daniela não disse: "Tenho aula de meditação!"



Estamos construindo super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a Inteligência Emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!



Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! - Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: "Como estava o defunto?". "Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!" Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?



Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…



A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é "entretenimento"; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.



Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!"O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.



Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor.. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.



Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...



Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno.... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald's…



Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olhares espantados, explico: Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.







Sobre o Autor

Frei Beto : Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, escritor e assessor de movimentos sociais, é autor de "Típicos Tipos" (A Girafa), prêmio Jabuti 2005, entre outros livros.

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